Comida e(é) cultura

Segundo Edward B. Tylor a cultura é “todo aquele complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem como membro da sociedade”.

Cozinhamos para nos conectarmos. Na Grécia e Egito antigos, grandes banquetes eram realizados com motivos religiosos e posteriormente políticos. O costume de fazer banquetes se estende até hoje, em feriados como Páscoa, Natal e Ano novo, e até em menor escala naqueles almoços de domingo em família. Compartilhar à mesa nos une.

Cozinhar é arte ou artesanato? Na minha opinião os dois, pois na cozinha de vanguarda o artista (chef) cria enquanto os artesãos (cozinheiros) replicam. Na cozinha tradicional esse conceito se perde mais, pois as receitas são conhecidas de todos e já se cria uma expectativa daquele prato vir da maneira a qual conhecemos. Nisso vem as discussões sobre que estado/país é dono de qual receita (como o povo do Espirito Santo que afirma que “moqueca é capixaba o resto é peixada”).

A cozinha massificada e a cultura do fast-food surgidas após a segunda guerra mundial, com elementos provenientes do Fordismo trouxe uma queda na sofisticação e especialização dos cozinheiros, mas movimentos como a nouvelle cuisine da década de 60 e hoje em dia os movimentos de slow food, farm to table, cozinha molecular e outros vem renovando a cozinha como arte/artesanato. A cozinha está no foco das câmeras, e as figuras do gourmet (termo que hoje adquiriu até um sentido pejorativo, no sentido que abusam do termo sem ser verdadeiramente gourmet) e gourmand (aquele que aprecia a comida e bebida mas não tem conhecimento, hoje conhecido como foodie) estão retornando.

Em 2014 o projeto Eu Como Cultura, encabeçado pelo Alex Atala, propôs incluir a gastronomia como manifestação cultural, para que possa ser incluída em projetos do ministério da Cultura, incluindo a lei Rouanet. O projeto (PL 6562/13) foi submetido pelo deputado Gabriel Guimarães. Ele argumenta que ”A nossa cozinha, forjada com ingredientes comuns que a tornam reconhecível em qualquer parte do mundo e, ao mesmo tempo, com combinações tão originais em cada diferente região do País que a tornam múltipla, complexa e rica, é um dos alicerces da identidade nacional, devendo, portanto, ser apoiada, estudada, preservada e difundida como qualquer outra manifestação da nossa cultura”

O ato de comer cristaliza identidades culturais e oferece informações sobre a organização e a estrutura da sociedade. O estudo a respeito dos ingredientes empregados reporta à História, às invasões sofridas, a colonização, a cultura praticada, o clima, o solo, enfim revela as memórias do povo. A gastronomia pode ser a ponta do iceberg, porque se constitui num elemento de identidade e pertencimento, que de certa forma por seus gostos e sabores, favorece a identificação, pois ela é reveladora, expõe as crenças, valores, costumes, topografia, clima, relevo, gostos, agricultura, pecuária, a verdadeira essência do povo ao qual pertence.

É preciso entender que cozinha é cultura, gastronomia é cultura e valoriza-la. Precisamos principalmente preservar nossa cultura tradicional. Leis como as da vigilância sanitária que proíbem utensílios de madeira, utilização de sangue como ingrediente, utilização de mel de abelhas nativas como ingrediente, utilização da carcaça do caranguejo para servir a casquinha de caranguejo precisam ser revistas para alcançarmos esse objetivo.

*Cairo Rocha (www.instagram.com/cairorocha) é gastrônomo, formado pela Estácio de BH, cursando pós na Facid. Teresinense, aficcionado por comida e pela cultura local. Na cozinha procura alcançar o tempero de sua avó, sua principal inspiração

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