Memórias do catolicismo em Barras do Marataoã

[Dílson Lages Monteiro]

A fazenda e a igreja foram os sustentáculos dos assentamentos humanos na grande maioria das antigas cidades Brasil afora, principalmente no período colonial. Barras do Marataoã surgiria a partir da fazenda Buritizinho, que hoje compreende o perímetro central da urbe, e de capela edificada em homenagem a Nossa Senhora da Conceição. Toda essa história remonta ao século XVIII, com o estabelecimento de Miguel Carvalho de Aguiar na supracitada fazenda. Ali, lançaria as bases de uma capela, cujo projeto seria levado adiante pelos que o sucederam na posse ou administração das terras.

Assim, Manuel da Cunha Carvalho, Manoel José da Cunha, Francisco Borges Leal Castelo Branco, José Carvalho de Almeida, sucedaneamente, como administradores de Buritizinho, com lugares sociais demarcados a partir de laços de parentesco diretos ou indiretos, teriam papel de relevo nos primórdios da vida religiosa de Barras. Sobretudo Carvalho de Almeida, segundo escreveu uma das testemunhas oculares da vida de Barras Vila, David Caldas, que registrou nas páginas de seu jornal O Amigo do Povo, em 1871, os esforços de Carvalho de Almeida para assegurar a construção da antiga Matriz (então capela) de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marataoã, esforços em que se empenhou, segundo Caldas, por mais de trinta anos.

Diz o combatente jornalista barrense, o primeiro a registrar a geografia e a história de sua cidade natal, que Carvalho de Almeida esteve “satisfatoriamente” envolvido na missão a partir de 1819 e que “a capela do Santíssimo Sacramento da matriz da vila de Barras foi edificada à custa de José Carvalho de Almeida”. De lá até cá, a fé e a devoção dos barrenses à sua padroeira revigoram-se com o fervor com o qual são praticadas, simbolizando o desejo imorredouro da supremacia do bem, da verdade e da justiça social, abençoados pelo manto de Nossa Senhora; ideais fortalecidos pela ânsia renovada de ver frutificar o bem comum e os laços de convivência comunitária.

Pois bem. A história da Igreja Católica em Barras – por meio, notadamente, de seus símbolos, seus clérigos e colaboradores e dos passos da comunidade em prol da causa cristã — ganha agora um estudo essencial para se entender um dos elementos mais preciosos da identidade de Barras: a fé em Nossa Senhora da Conceição. Seu autor, Antenor Rêgo Filho, antes de ser um apaixonado pelo berço-natal, é um vocacionado para o resgate de fatos e memórias do torrão. Sua atuação como historiador ou memorialista, em livros como Barras — histórias e saudades — tem retirado do limbo do esquecimento os acontecimentos e transformações que a ação do tempo legou para antigas e novas gerações. Sua contribuição ímpar se torna mais fundamental, porque movida pela paixão por tudo que diz respeito à cidade e para a qual vem devotando suas energias em favor da preservação da memória do passado e do presente para o conhecimento das gerações de hoje e de amanhã.

Em “Paróquia de Nossa Senhora da Conceição das Barras do Marataoã” (Nova Aliança Editora), Antenor Rêgo Filho, especialmente a partir da tradição oral e de fontes primárias até então inexploradas ou pouco exploradas por outros pesquisadores, reconstrói os passos de uma das mais antigas paróquias no Norte piauiense. Reúne também informações esparsas de diversoos historiadores sobre os primórdios de formação da identidade religiosa do lugarejo, cuja sistematização somente é dada a quem, com calma e rigor, debruça-se em, a partir da percepção das lacunas e relações do discurso histórico, construir novos olhares e desdobramentos para a história.

 Seu olhar é o do memorialista. Vai além do registro dos episódios mais marcantes do catolicismo em Barras: concentra-se, ainda, em relacionar fatos e nomes aos costumes e à vida social, numa evidente preocupação com a memória imaterial da Paróquia de Barras, detalhadamente descrita em hábitos, imagens e objetos de seu acervo. De sua leitura, compreende-se a ativa colaboração da igreja católica no crescimento do lugarejo, especialmente na educação, por meio de figuras como Pe. Lindolfo Uchôa, que teve destacado papel na fundação do Ginásio Nossa Senhora da Conceição e na criação do Patronato Monsenhor Boson, dirigido pelas Irmãs Mercedárias, com relevantes serviços prestados à região. A atuação beneficente de Pe. Raul Formiga é reverenciada. De seu trabalho social, beneficiaram-se centenas de mulheres com dificuldades de parto na zona rural ou jovens auxiliados pelo religioso em seus estudos.

Destaca Antenor Rêgo Filho o pioneirismo de Barrenses devotados ao exercício da atividade religiosa. Em sua escrita memorial-afetiva, impõem-se nomes do passado e do presente. Impõem-se Marcelino do Rêgo Castello Branco e seu primo Simpliciano Barbosa Ferreira, oriundos da antiga fazenda Peixão, hoje Nossa Senhora dos Remédios, pioneiros entre os barrenses ordenados padres. Impõem-se, entre os citados, os barrenses Dom Juarez Sousa da Silva, bispo diocesano de Parnaíba; Pe. Jonilson Torres Resende, com destacada atividade na formação regiliosa de novos padres; a missionária Francisquinha Reis, há décadas, devotada a servir incondicionalmente à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, cuja lembrança, para muitos conterrâneos, confude-se com sua figura carismática a entoar o hino da padroeira ou a puxar em coro cânticos outros ou orações.

Com esta obra, Antenor Rêgo Filho recompõe um pedaço precioso da história de Barras do Marataoã, mergulhando, mais uma vez, na alma de sua gente. O lugar de que fala Antenor é o de quem busca, mais que contar memórias e episódios, destacar um dos traços identitários que mais bem faz com que os barrenses sintam-se integrados ao local em que nasceram ou vivem: “Salve a Estrela da Manhã!/ Salve a Padroeira de Barras do Marataoã!”

(*) Dílson Lages Monteiro é professor e escritor. Autor, entre outros, de Capoeira de Espinhos.

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