Ele era feio. Não há muito o que dizer sobre isso. O pescoço arqueado em ângulo obtuso dava-lhe o ar de soberba constante. Parecia que estava sempre a zombar do mundo com seus olhos miúdos e queixo erguido. No entanto apreciava-lhe a presença. Sim. Ela gostava dele, da prosa. Era sempre bom estar com aquele sujeito que tinha cara de parvo, jeito pedante e histórias divertidas.
Ocorre que ele era feio. O tom amarelado da pele estava longe de ser tropical como as mangas de África, na verdade eram como uma icterícia eterna. Os olhos escuros não eram como o cravo ou a canela de Jorge Amado, pareciam dois botões mal costurados na calça de linho antiga. Apesar disso, ela gostava de como ele a olhava.
Outrossim, ele era feio. As passadas apressadas que poderiam lhe conferir agilidade em cumprir os compromissos, faziam-no parecer um boneco de palha carregado por qualquer vento. O andar tosco e desajeitado era quase grotesco, porém ela adorava caminhar ao seu lado.
Por todas essas – e mais algumas outras questões – o namoro era escondido. E foi assim por quatro anos. Apesar da dificuldade, ela conseguiu convencer o rapaz de que era melhor que eles não se dessem as mãos em público, ou que toda a família e amigos soubessem da relação deles. Porque, você sabe, as pessoas maldam, elas podem demonizar o nosso amor e maldizer o nosso relacionamento. Prefiro tê-lo só para mim, assim em sigilo, e com a segurança de resguardar o nosso afeto.
Mesmo morando longe, o rapaz se convenceu de que já era hora de oficializar a relação. Ela não poderia fugir do compromisso para sempre. Eles namoravam há muito tempo e só os íntimos sabiam disso, e sabiam também que não podiam falar a respeito. Era briga na certa, e ele não gostava de irritar a sua deusa. Como ela era linda. O cabelo em um corte ultramoderno, batidinho na nuca, em composição com o pescoço longo, davam à moça o ar elegante e empoderado que só nas finesses de revistas de moda se viam. Ele era um homem de sorte.
Chegou o dia do pedido. Ele não podia mais esperar para propor casamento àquela que tomou de encanto seus olhos e de arrebatamento o seu coração. Com as economias de alguns meses de salário ele comprou um solitário de brilhantes. Optou por essa joia porque sua donzela já havia mencionado que alianças nos dedos do casal só depois do matrimônio. Quando noivos ela achava chique mesmo era a cultura norte-americana, que embelezava a mão da noiva com um anel de diamantes.
Apesar de ganhar bem e de estar muito apaixonado pela moça, nosso nobre cavalheiro era um tanto sovina, não comprou diamantes. Talvez essa escolha tivesse decidido o seu destino.
Casamento? De onde ele tirou isso, meu Deus? São apenas quatro anos de namoro e eu ainda não me acostumei com a ideia de me apresentar ao mundo em versão contemporânea d’a Bela e a Fera. Isso não vai dar certo.
Mais que diabos. Tempo para pensar. Por que ela precisa disso? Já temos tempo suficiente de relacionamento, ambos trabalhamos, podemos bancar as nossas despesas. Não entendo por que adiar mais.
Posso pensar em muitas razões para casar com ele. É louco por mim, me ama como ninguém jamais me amou. É mão de vaca, é verdade, mas nada que um chamego não resolva. Basta cheirar o cangote, sentar no colo e fazer biquinho que ele abre a carteira, é certo. Sim, porque o meu dinheiro é meu, o dele é nosso.
Não está pronta para casar? Mas que porra é essa? Eu não acredito que ela rejeitou o meu pedido. O que vou fazer? Eu já sonhava com a nossa casa, a nossa família linda, o nosso cachorro.
E se ele quiser ter filhos? Não dá, não posso correr esse risco. A minha beleza pode não ser suficiente. Não me levem a mal, mas ele é muito feio.
Tem alguma história para partilhar comigo? Eu vou adorar saber. Sobre qualquer assunto, os felizes e tristes, de famílias, amantes, amigos, festas, morte, paixão ou doença. Tudo vale. Posso garantir uma escuta atenta e forte.
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