Por que os músicos piauienses não valorizam a música piauiense?, por Noé Filho

Eu não entendo. Não deveria ser difícil escutar música piauiense no Piauí. O que falta, a meu ver, é consciência de classe por parte dos músicos. Acho um absurdo músicos que têm composições autorais passarem um show inteiro sem cantar uma música de própria autoria. E acho revoltante intérpretes que não escolham, pelo menos, algumas músicas do cancioneiro piauiense para compor seu repertório.

Domingo (7 de julho) fui ao primeiro dia do festival The Vejo no Ponte, na Ponte Estaiada, promovido pela Prefeitura de Teresina e pela Fundação Monsenhor Chaves, que já está em sua segunda edição. O primeiro show da noite foi com a banda Sambatom; depois, Danilo Rudah; e, fechando a noite, o encontro mágico com Flávio Moura, Soraya Castello Branco e João Cláudio Moreno no Melhor de Três. Posso estar enganado, mas a Sambatom não cantou nenhuma música piauiense, Danilo Rudah mesclou músicas autorais, músicas de outros artistas piauienses e músicas de artistas de outros estados, e o Melhor de Três cantou apenas uma música piauiense, o clássico “Teresina”, do maestro Aurélio Melo e Zé Rodrigues. Por mais que a banda Sambatom não tenha como característica ou propósito cantar músicas autorais, o mundo não acabaria se elas cantassem algumas músicas do samba piauiense ou até se trouxessem para o universo do samba músicas de outros gêneros. E acho mais absurdo ainda um projeto maravilhoso como o Melhor de Três, com músicos (intérpretes e banda) que sei que são extremamente engajados com a música e a cultura piauiense, cantar apenas uma música do nosso repertório. Será que o Piauí não tem forró que pudesse ser incluso no repertório? Eu acho que tem. Aliás, é só o que tem.

O que Danilo Rudah fez foi um ótimo exemplo do que pode ser feito. Cantou músicas já conhecidas do repertório nacional, que sabemos que tem efeito imediato sobre o público, mas não deixou de cantar algumas de suas músicas e homenagear outros amigos que admira, interpretando suas canções. E o público não só gostou, como muitos também cantaram junto.

Se nem os próprios músicos piauienses valorizarem a música piauiense, quem vai valorizar? Mesmo que a banda, ou músico, não tenha a característica de ser autoral, como músico piauiense tem sim a responsabilidade com o cenário em que está inserido e também deve ajudar os compositores locais a brilharem. Grandes intérpretes têm uma enorme responsabilidade com os compositores. E, com certeza, saem ganhando muito também sabendo valorizar os que têm o dom de dar luz a músicas novas para nossas vidas.

Por exemplo, a banda Top Gun, que tem como vocalistas Luana Campos e Flávio Moraes, dois cantores que eu, particularmente, admiro e curto bastante, poderia incluir em seu repertório músicas do rock piauiense dos anos 80/90, inclusive músicas em inglês, porque temos várias bandas de rock que compõem em inglês. E, como é uma banda extremamente popular, cantando músicas piauienses, estaria prestando um enorme serviço para que mais e mais pessoas possam conhecer, valorizar e acompanhar os músicos locais.

Agora, imaginem se todos os músicos e bandas piauienses tivessem essa preocupação e esse compromisso? Com certeza, o impacto seria maravilhoso e engajaria muito mais o público. Sem querer ser radical, mas já sendo, eu acho um absurdo um show com artistas piauienses que não tem pelo menos 25% do repertório com músicas de compositores piauienses, o que, em um show com vinte músicas, representaria apenas cinco músicas. A diversidade da nossa música é enorme, a coisa mais fácil do mundo é achar músicas que se enquadrem na proposta do show. A única exceção é se o show for um tributo a um artista em específico. Nesse caso, ficaria estranho incluir músicas de outras pessoas.

Não tem nada que justifique, na minha cabeça, um músico como o Roraima, que, penso eu, é um dos maiores compositores da história da música piauiense, fazer um show inteiro sem nenhuma música sua. Chega a ser revoltante. E já assisti a vários shows dele, nos quais isso aconteceu. Roraima tem músicas para dar e vender e de todos os estilos. Por mais que eu entenda que há contextos em que se demanda tocar músicas largamente conhecidas pelo público, não há problema algum em incluir algumas de suas músicas ao longo do show. Mas, pelo menos, o que ele sempre faz, e que é louvável, é homenagear outros compositores piauienses. Porém, se ele é compositor, tem que ter compromisso também com sua própria arte.

Sonho com um tempo em que os músicos piauienses tenham mais consciência de classe e tenham mais noção da sua responsabilidade com a música piauiense, tanto a sua própria arte quanto a arte produzida por outros artistas. Com certeza, o resultado seria fantástico e excelente para todos.

Por Noé Filho.

Sair da versão mobile