O Natal sempre escancara o quanto somos desconectados das nossas raízes culturais, por Noé Filho

No Natal, há uma dissociação gritante entre os símbolos celebrados e a cultura local, o que pode ser percebido facilmente pelas decorações dos espaços públicos, das lojas e das casas. É impressionante o quanto os brasileiros absorvem referências culturais externas, muitas vezes sem ter relação alguma com sua realidade, sem a menor preocupação em ao menos interpretar e adaptar ao nosso contexto cultural. E no Natal isso é ainda mais evidente.

Acho estranhíssimo que, no país com o segundo maior número de cristãos no mundo, o Papai Noel seja mais celebrado que o próprio Jesus Cristo. Não era para Jesus ser o mais reverenciado? Sem falar que toda a estética do Natal é importada, ao cúmulo de ter decorações que simulam inclusive neve. Tudo bem que o Brasil tem algumas regiões com inverno de baixas temperaturas, chegando a nevar inclusive. Mas mesmo nessas regiões, o período de fato frio é no meio do ano e não no período do Natal. Qual o sentido de uma estética que ressalta características inerentes a regiões frias do mundo em pleno verão brasileiro?

E a Árvore de Natal? O que um pinheiro do hemisfério norte tem a ver com o Brasil? Por que não enfeitar e decorar árvores nativas de cada região? Que lindo seria se, por exemplo, nós usássemos em Teresina como símbolo da Árvore de Natal um Angico Branco, um Caneleiro ou um Mandacaru.

A Árvore de Natal na Frei Serafim é um enorme pinheiro. No Parque da Cidadania, dentre outras coisas, tem vários ursos em estrutura metálica e iluminados. No Palácio de Karnak, inúmeros pinheiros vermelhos em frente e enormes guirlandas nas portas e janelas. No Shopping Riverside, simplesmente “trouxeram” Nova York para Teresina. Nas residências e lojas, pinheiros e Papais Noéis espalhados pra tudo quanto é canto. O que essas decorações dizem sobre o Natal e sobre a nossa cultura? Quase nada e muito pouco. Muito pouco e quase nada.

A excelente e linda surpresa neste ano foi a decoração de Natal do Shopping Rio Poty, em Teresina. Essa decoração representa exatamente o que eu adoraria ver em todos os cantos da cidade. É claro que tem várias referências do Natal de outros países, mas eles fizeram um diálogo dessas referências com as referências da nossa cultura, com destaque para o uso de arte santeira e cactos iluminados. Ficou lindo demais.

Não acho que devemos nos fechar para as influências culturais externas. E é claro que sei que a nossa cultura foi e é continuamente formada por uma enorme mistura de várias culturas de todo o mundo. Mas acho extremamente saudável e fundamental que nos esforcemos para traçar um diálogo dessas influências com a nossa terra, nossa cultura, nosso cotidiano. Ao invés de replicar sem discernimento algum, passar a usar, adaptar, ressignificar o que tem de bom e, por que não, criar.

Por Noé Filho.

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