Não aguento mais o Torquato Neto, por Noé Filho

Residencial. Condomínio. Campus. Teatro. Projetos Culturais. Nomes de empresas. Trabalhos escolares. Trabalhos universitários. Desfiles de moda. Peças de teatro. Shows. Espetáculos. E não para por aí. É infindável a quantidade de homenagens que o poeta teresinense Torquato Neto recebe no Piauí, direta ou indiretamente.

O próprio nome do nosso projeto, a Geleia Total, também é inspirado no Torquato Neto e não deixa de ser uma homenagem a ele também. O nome “Geleia Total” é uma adaptação do termo “Geleia Geral”, que inicialmente foi cunhado pelo poeta concretista Décio Pignatari e virou título da canção-manifesto do Tropicalismo assinada por Torquato Neto e Gilberto Gil, além de ter dado nome à icônica coluna de Torquato no jornal Última Hora, do Rio de Janeiro. Como defendemos a valorização da diversidade cultural em toda sua abrangência, a inspiração na Geleia Geral e no Tropicalismo fez e faz todo o sentido.

“Na geleia geral brasileira alguém tem de exercer as funções de medula e de osso.” Décio Pignatari

Essa “centralização” das homenagens por Torquato Neto me deixa incomodado. Não porque Torquato não mereça. Muito pelo contrário. Eu, pessoalmente, tenho uma profunda conexão e respeito pela obra e legado que ele nos deixou. E, como muitos membros do Tropicalismo afirmam, Torquato teve uma importância ímpar no movimento, que é considerado por muitos como um dos maiores movimentos culturais do Brasil, e que ecoa até hoje e tenho certeza que que continuará ecoando.

O que por um lado pode ser visto como respeito e admiração pelo legado de Torquato, por outro reflete um desconhecimento sobre outros aspectos da cultura do Piauí. A impressão que passa é que não se conhece outras referências que possam ser usadas. E não dá para homenagear o que não se conhece. Na própria literatura temos nomes respeitadíssimos Brasil afora e o Piauí continua dando luz a grandes escritoras e escritores, que poderiam ser referências para homenagens, pesquisas, estudos, obras artísticas. Sem falar nas outras artes.

E acho muito curioso que, quando Torquato era vivo, era visto como um marginal (à margem da sociedade) pela sociedade piauiense. Seu valor foi reconhecido depois de morto e depois de ter sido celebrado pelo Brasil. Será que Torquato acreditaria ao ver seu nome espalhado por Teresina e recebendo tantas homenagens?

Isso evidencia duas questões:

  1. Muitas vezes esperamos que os artistas nos deixem, para que possamos celebrá-los;
  2. Damos muito mais valor para artistas que são reconhecidos por outras regiões do país. Um movimento de fora para dentro.

Não acho que as homenagens a Torquato devam cessar. Inclusive, acho que ele merece um Museu dedicado a ele. Porém acho que vale muito a pena todos nós refletirmos sobre outros artistas que possam servir de inspiração para homenagens. Vale a pena nos dedicarmos a pesquisar sobre outros artistas que talvez não conheçamos tanto. Vale a pena olhar com atenção para os artistas vivos que estão fazendo história. Não é necessário que eles nos deixem ou que tenham grande repercussão nacional para que passemos a valorizá-los. Aliás, nós podemos ajudá-los a ter essa repercussão nacional e internacional. A medula e o osso da cultura piauiense são tão diversos e complexos quanto o Piauí.

Por Noé Filho.

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3 comentários
  1. Concordo com o que foi colocado e infelizmente algumas pessoas só são conhecidas depois de morto, ou como pontuou, depois que outras regiões os reconhecem… Evidente que Torquato foi e ainda é uma grande mente, assim como outros nomes piauienses que não tem o mesmo reconhecimento que Torquato. Parabéns pelo texto.

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