O pregado e a valorização da cultura

A maria isabel surgiu quando as mulheres resolveram picar toda a carne e misturar ao arroz, pois  os homens, na maioria das vezes vaqueiros, se serviam primeiro na hora da refeição e acabavam pegando toda a carne, assim teriam uma distribuição mais igual entre homens, mulheres e crianças. As panelas de ferro, quentes e grossas, acabavam por deixar uma camada “queimada” no fundo, é o famoso pregado, que caiu no gosto do piauiense.

Maria Isabel ou Arroz carreteiro, irmãos separados por milhares de quilômetros

O pregado é cultural, é o resquício de uma época sofrida, de resistência, assim como outros pratos como sarapatel e panelada, hoje muito representativos da nossa cultura. Gyselle Soares, piauiense no BBB8, entre uma das suas muitas pérolas soltou durante um jantar que queria o pregado do arroz e, como ninguém lá tinha conhecimento do que era isso, apenas riram, não conseguiam compreender o valor cultural ou a disputa pelo que fica ao fundo da panela.

Do outro lado do oceano, na Espanha, existe o primo do pregado, o socarrat. Mas desse ninguém ri não, todos os espanhóis conhecem e valorizam, fazendo os famosos arrozes: a banda e paella. O piauiense não sabe se vender, valorizar sua cultura e criar uma identidade cultural forte. Preferimos valorizar o que vem de fora e considerar nossos pratos típicos como comida do dia-a-dia, de casa. Precisamos reinventar, de forma inteligente, nossos pratos e nos integrarmos melhor a cozinha contemporânea. Mas isso é assunto pra um outro texto.

Arroz a banda e seu socarrat, o primo “chique” do pregado

Diversos chefs renomados já incluiram a maria isabel em seus cardápios, como Alex Atala do DOM, Ana Luisa Trajano do Brasil a gosto e Fabio Vieira do Micaela. Esse último fez uma releitura do pregado com seu crocante de pregado. A maria isabel é um prato muito representativo da cozinha brasileira, só precisamos saber vender melhor. Seu primo, o arroz de carreteiro, é conhecido nacionalmente como ícone da cultura gaúcha, e as únicas diferenças são que é feito com charque ao invés da carne de sol e salsinha no lugar do coentro.

Capote cozido com creme de milho tostado, leite de castanha e crocante de pregado

Devíamos seguir o exemplo dos mineiros, os quais sua capital também não tem mar (e de forma inteligente criaram o lema “se não tem mar então vamos pro bar”, sendo a capital brasileira com mais bares), e valorizar seus pratos simples (feijão tropeiro, frango com quiabo,…) e deliciosos assim como os nossos (panelada, paçoca, sarapatel, creme de galinha, capote cozido, baião de fava com porco, etc,…). Nossa comida é tão boa quanto a de qualquer outro lugar e precisamos dizer isso em voz alta sem que precise vir alguém de fora pra dizer e lucrar com isso, assim como estão fazendo com a comida da Amazônia.

*Cairo Rocha é gastrônomo, formado pela Estácio de BH. Teresinense, aficcionado por comida e pela cultura local. Na cozinha procura alcançar o tempero de sua avó, sua principal inspiração.

**Agradecimentos a Juliana Henrique, dos quais nossas discussões chegaram nesse texto, e Bruna Maria, que com seu TCC me trouxe maiores esclarecimentos.

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