Trabalho premiado pela UFPI revela processos educativos em terreiro de Teresina e reforça importância de estudos sobre religiões de matriz africana
Quando Igor Filipe, conhecido artisticamente como Igor Ganga, começou a frequentar o Terreiro Aldeia de Caboclo, Senzala de Mãe Maria Conga e Pai Joaquim, na zona sul de Teresina, ele não imaginava que sua pesquisa de mestrado em Antropologia se transformaria em uma ferramenta poderosa contra o preconceito religioso. Seu trabalho, que acaba de receber o 1º lugar no Prêmio UFPI de Dissertação e Tese 2025, na categoria Humanidades, revela como os terreiros de Umbanda funcionam como espaços de educação complexos e sofisticados, desafiando estereótipos há muito perpetuados sobre as religiões de matriz africana.

No bairro da zona sul de Teresina, por trás de um portão simples, existe um espaço onde os tambores falam, os guias espirituais orientam e o conhecimento ancestral se transmite de geração em geração. O Terreiro Aldeia de Caboclo, Senzala de Mãe Maria Conga e Pai Joaquim, tornou-se local de resistência cultural e combate à intolerância religiosa através da educação, dos projetos sociais, artísticos e da manutenção das tradições africanas.
Tive o prazer de ler e assistir à defesa, e o dado que mais me chamou a atenção foi como essa etnografia modificou o pesquisador, que se propôs ao seu propósito e revelou outras descobertas na trajetória que foi sendo desvelada no processo.

“Hoje o santo te pega”: educação na Aldeia de Caboclo” foi o título escolhido por Igor, que faz referência a uma expressão comum nos terreiros. O trabalho demonstra que a educação na Umbanda vai muito além do aprendizado religioso. Igor documentou como o terreiro opera como uma ecologia de saberes, onde o desenvolvimento mediúnico, o “baiar” e os rituais constituem um caminho pedagógico gradual, que pode levar anos para ser consolidado.
Lembro-me, carinhosamente, de detalhes sugeridos pelo pesquisador quando me disse, em conversas informais, que o conhecimento no terreiro se dá pela vivência, e também de seu conselho para que eu prestasse atenção em detalhes sutis, como o “mapa desenhado pelas folhas” de mangueira espalhadas antes de alguma “gira”.

Assim como na academia, na universidade, onde colhemos referências e construímos conhecimento gradualmente, no terreiro existe o que chamam de “catar folhas”, uma metáfora perfeita para essa construção contínua do saber. A educação ali é entendida como algo imanente à vida social, que acontece por meio da participação e do cuidado. No trabalho, Igor afirma que a educação é um fluxo constante e, dessa forma, o andamento de sua própria pesquisa envolveu um aprendizado cujas dúvidas eram tiradas de forma empírica, pela vivência e pelo trabalho no terreiro, usando a arte e outras habilidades para responder às questões levantadas.
É importante destacar essa e tantas outras pesquisas como fundamentais para combater a intolerância religiosa, pois, quando mostramos a complexidade e a seriedade dos processos educativos nos terreiros, desmontamos as visões preconceituosas que “folclorizam” as religiões de matriz africana.

A pesquisa chega em um momento determinante, pois, segundo dados do canal de denúncias do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), o número de violações sofridas pelas religiões de matriz africana aumentou de 2023 para 2024, e são elas as mais afetadas pela intolerância religiosa no Brasil.
O trabalho de Igor Ganga revela ainda como a educação no terreiro é profundamente política. Ele afirma que o terreiro é um espaço onde se discute e se pratica uma cosmovisão diferente da dominante; dessa forma, torna-se um lugar de resistência cultural. A educação que acontece ali não só reproduz saberes, mas constantemente os reelabora e os posiciona frente às opressões da sociedade mais ampla.