O curta-metragem Boi de Salto, primeiro filme de ficção da cineasta e artista visual piauiense Tássia Araújo, vem conquistando público e crítica ao revisitar o universo do Bumba-meu-boi sob uma perspectiva contemporânea, poética e provocadora. A obra, realizada com recursos da Lei Paulo Gustavo – Piauí, recebeu os prêmios de Melhor Roteiro e Prêmio da Crítica no 35º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema, e estreou nacionalmente no 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Com direção de fotografia assinada por Maria Navarro (DAFB), o filme constrói uma fábula sobre liberdade, dissidência e pertencimento, costurada por referências ao imaginário popular do Piauí. Na trama, Abdias — interpretado por Mikael Costa — é filho de Francisco e Catarina e sonha em dançar de salto alto no Bumba-meu-boi mais tradicional da cidade. Ao ser impedido de participar, ele cria sua própria tradição, tensionando limites culturais e abrindo espaço para novas existências.
O Boi Imperador da Ilha, com 91 anos de história, participa do filme e simboliza a força da cultura popular que resiste ao apagamento, ao mesmo tempo em que se reinventa.

Para Tássia Araújo, revisitar o Bumba-meu-boi a partir do imaginário da dissidência de gênero foi essencial para atualizar a narrativa sem romper com suas raízes.
“Desde 2012, quando comecei a gestar o projeto, já havia essa vontade de dialogar com a tradição, não para confrontar mestres ou conhecimentos ancestrais, mas para atravessar esse imaginário a partir de um olhar contemporâneo.”

“A manifestação cultural, para mim, é aquilo que aparece no dia a dia do teresinense. O filme transmite respeito a essa cultura e ao mesmo tempo abre espaço para uma atualização dentro do modo de vida urbano.”
O filme nasceu de uma imagem matriz: um personagem híbrido — meio gente, meio boi — dançando de salto alto no Boidródomo do bairro Poty Velho, em Teresina. Essa visão sustentou mais de uma década de pesquisa até a concretização do projeto.
Tássia destaca que o filme só se tornou possível graças à junção entre equipe, pesquisa e incentivo público:
“A Lei Paulo Gustavo foi fundamental para viabilizar o filme, porque permitiu reunir uma equipe talentosa e comprometida. O processo envolveu autoconhecimento, estudo e amadurecimento da linguagem cinematográfica.”
A diretora reforça a importância da colaboração de profissionais como Maria Navarro (fotografia), Verônica Coelho (direção de arte), Poliana Oliveira (assistência de direção), além da trilha de Gabriel Portela e desenho de som de Pedro Caetano, que ajudaram a imprimir uma identidade estética marcada pela mistura entre tradição, memória e contemporaneidade.
Unindo arte, memória e identidade, a diretora acredita que a obra ganhou repercussão por oferecer novas interpretações sobre corpo, território e ancestralidade.
“A arte tem a capacidade de reorganizar o imaginário coletivo, e o audiovisual potencializa isso porque transforma memórias e tradições em imagens que circulam. Quando produzimos cinema no Piauí, criamos novas possibilidades de representação. Cada obra funciona como espelho e também janela: devolve ao piauiense sua imagem com dignidade e permite que outras regiões acessem nossa cultura.”
A resposta do público demonstra o alcance simbólico do curta:
“Em Teresina, existe um sentimento forte de reconhecimento e pertencimento. Em lugares como Brasília e São Paulo, onde há mais familiaridade com o Bumba-meu-boi, o impacto é outro: as pessoas descobrem que essa tradição também é muito viva no Piauí.”
Para Tássia, a maior contribuição do filme é essa abertura de olhares:
“Quero que permaneça a sensação de descoberta, pertencimento e expansão. Que o público perceba que nossa cultura é plural, rica e mais profunda do que normalmente se imagina.”
Os prêmios conquistados também fortalecem a cadeia audiovisual no estado:
“Os prêmios que estamos recebendo funcionam como uma grande injeção de autoestima para toda a equipe. Foram muitos anos de idealização e de esforço até conseguir realizar esse filme. Sentir o reconhecimento agora gera uma felicidade compartilhada, porque todos sabem o quanto é difícil criar e produzir audiovisual no estado. Também reforça a importância de políticas públicas de incentivo, já que o audiovisual movimenta uma cadeia extensa de profissionais e depende de investimento contínuo. Espero que esse reconhecimento ajude a impulsionar ações futuras que beneficiem o setor como um todo e fortaleçam ainda mais a cena cultural piauiense.”

Sinopse
Após fugirem da fazenda de seu Amaro, pai Francisco e mãe Catarina chegam a Teresina para começar uma nova jornada. Abdias sonha em dançar de salto alto no grupo mais tradicional de Bumba-meu-boi da cidade. Depois de ser impedido de participar, ele cria uma tradição para si mesmo.

Sobre a diretora
Tássia Araújo (1987), natural de Teresina (PI), é artista visual e cineasta. Atua em projetos sobre memória, identidade e vivências LGBTQIAPN+. Em 2023, lançou o longa documental “Comigo Num se Pode”, exibido nos festivais 19° Panorama de Cinema (BA), XII Rio LGBTQ+ e 3° Transgender Film Festival (FL). Em 2025, estreia “Boi de Salto”, curta de ficção selecionado pela Lei Paulo Gustavo – PI. É jornalista, pós-graduada em Direção de Arte, com formação na Escola Roteiraria (2024-2025/SP).
Ficha Técnica
- Roteiro e Direção: Tássia Araújo
- Doctoring: Vera Egito
- Direção de Fotografia: Maria Navarro (DAFB)
- Produção: Érica Santos
- Edição: Carina Bueno e Priscila Guedes
- Elenco: Mikael Costa, Kelly Campelo, Pedro Wagner, Luca Santos
- Ano: 2025
- Gênero: Drama
- Duração: 14 min
- Locação: Teresina – PI
- Financiamento: Lei Paulo Gustavo – Piauí
- Produção: Clandestina Filmes
- Participação Especial: Boi Imperador da Ilha e mestre Raimundo Pereira