A trajetória de Clodo, Climério e Clésio Ferreira — três artistas piauienses que projetaram o estado na música popular brasileira — ganha novo fôlego em Clodo, Climério e Clésio – A Profissão do Sonho. A obra reúne memórias, depoimentos, imagens e letras que resgatam o universo poético e afetivo dos irmãos, responsáveis por clássicos eternizados por nomes como Nara Leão, Milton Nascimento, Elba Ramalho, Fagner e MPB4.

Escrito pelo jornalista e cronista Severino Francisco, com pesquisa e organização de Déa Barbosa, o livro revisita a infância vivida entre Teresina e Angical, os anos de formação em Brasília e a consolidação dos três como um dos grupos mais originais da moderna canção brasileira. Mesmo afastados fisicamente do Piauí, foi da terra natal que extraíram grande parte da identidade poética que marcaria suas composições — sempre atravessadas por nordestinidade, delicadeza e força expressiva.
Ao rememorar a evolução artística dos Ferreira, Severino destaca dois eixos centrais: o ambiente cultural que moldou os irmãos e o modo como cada um transformou vivências em música e poesia. Entre os achados da pesquisa, ele ressalta a musicalidade espontânea da Rua São João, em Teresina, descrita como uma das mais musicais da cidade, e onde Clodo e Climério conviveram com Torquato Neto ainda na juventude.

O autor também destaca a personalidade dos irmãos: figuras pacíficas, afetuosas e profundamente sensíveis. Um depoimento marcante define Clésio como um “nordestino movido à bondade e poesia”, síntese que, segundo Severino, traduz a ética e a criatividade do trio — aspectos que permeiam tanto a obra musical quanto a convivência que marcaram gerações de artistas.
Para construir o livro, Severino e Déa ampliaram entrevistas, documentos e escutas da discografia dos irmãos, aprofundando uma pesquisa que já era robusta. Uma das decisões do autor foi adotar a poesia como eixo narrativo, já que Clodo e Climério registraram grande parte de suas inquietações em versos que dialogam diretamente com as canções. O resultado é uma narrativa em que poesia e memória se entrelaçam, conduzindo a leitura.
A obra combina pesquisa documental, sensibilidade e crítica, permitindo ao leitor acompanhar o percurso artístico dos irmãos e o contexto cultural que os influenciou. Severino, que também consultou acervos do coletivo cultural Geleia Total, recomenda ao leitor ler o livro ouvindo as canções, para captar a amplitude estética do trio.
Na avaliação do autor, a importância dos irmãos Ferreira como compositores é comparável aos grandes nomes da canção brasileira pós-tropicalista. É possível mencionar dezenas de criações de alta qualidade. Entre os destaques, além das mais conhecidas, ressalta “Conterrâneos”, que considera “uma das mais belas canções sobre a migração nordestina”, ao lado de obras de Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira, Patativa do Assaré e João do Vale.
Para Severino, os Ferreira representam uma síntese singular: raízes profundas no Piauí somadas à efervescência cultural de Brasília, em um período marcado pelo experimentalismo pós-bossa nova e pós-tropicália. Essa combinação resultou em uma obra que atravessa fronteiras e permanece como referência estética.
Ao apresentar os irmãos Ferreira às novas gerações, o livro busca despertar novos olhares sobre música, identidade e criação artística. Severino relembra as referências que o formaram “me sentia humilhado pela inteligência e brilho dessas pessoas, mas também provocado” e destaca o compromisso criativo dos irmãos: “mesmo doente, o Clodo produziu muito” e “o Climério escreve um poema por dia”. Ele alerta para o empobrecimento causado pelo consumo cultural segmentado “quem ouve rap não ouve rock, quem ouve rock não ouve chorinho” e faz um convite aos jovens: conhecer e se sensibilizar com a obra dos Ferreira, pois “o que diferencia as gerações é a educação e o acesso à cultura”.
O livro está à venda na livraria Entrelivros, localizada na Avenida Dom Severino, 1045, no bairro Fátima, em Teresina-PI.