Hoje tem marmelada! Tem, sim, senhor! Hoje tem acrobacia? Tem, sim, senhor! A Geleia Total conversou com os artistas teresinenses que fazem parte do Circuito Circense. Luã Jansen e Luís Gonzaga são os palhaços, panelada e cajuína, dois jovens talentosos, filhos da região do Grande Dirceu, Zona Sudeste de Teresina.
O Circuito Circense é um movimento coletivo de ocupação do espaço público surgido no ano de 2017, com o objetivo de vivenciar, trocar, dialogar e multiplicar saberes por meio da arte do circo, em ruas, praças, locais públicos através de oficinas semanais permanentes de diversas modalidades circenses.
Malabares, acrobacias de solo e brinquedos de equilíbrio. No ano de 2018 o grupo começou a desenvolver eventos culturais mesclando música, teatro, circo e um processo de pesquisa sobre a linguagem do palhaço, que segue em atividade. Atualmente vem desenvolvendo oficinas permanentes numa praça da periferia de Teresina (Renascença II), região do Grande Dirceu.

O teresinense Luã Jansen de 34 anos, ressalta está no meio artístico desde a adolescência, começou transcrevendo peças para o vídeo, Tv, conhecendo o teatro, a dança, e por último o circo, sua última e atual casa. Luã conta que teve uma infância de um menino pobre da periferia, criado por mãe solo, mesmo na ausência do pai, e nas dificuldades, Luã estudou em boas escolas, vivendo uma infância tranquila.

O teresinense Luís Gonzaga de 27 anos, iniciou a carreira artística no ano de 2015 na escola Gomes Campos, em dezembro deste ano completa 10 anos na arte. Filho de carroceiro e dona de casa, o artista ressalta que teve uma infância difícil, como a maioria dos garotos periféricos, mas dentro das possibilidades foi uma criação muito boa e cheia de bons momentos.
A mistura nordestina Panelada e Cajuína” traz para a cena elementos do mundo circense dialogando com a cultura popular do Nordeste. O espetáculo mistura números clássicos da palhaçaria que saem do espaço da lona e são adaptadas para a rua. Música, malabarismo, acrobacias de solo, equilíbrio, brinquedos e brincadeiras da cultura popular nordestina. Muito riso e improviso e músicas nordestinas que ditam o ritmo da apresentação
A dupla de palhaços se define como uma pequena trupe sem lona. Como não são uma entidade oficial de circo, os trabalhos, formações, oficinas e eventos surgem a partir do material que a rua/praça oferece, com as trocas de quem por ali passa. Pessoas comuns, artistas.

1 – Geleia total – A arte chegou para vocês em que momento? Qual foi o primeiro contato com o circo ou com qualquer expressão artística?
Luã Jansen: Comecei na escola através de alguns professores que incentivava muito a gente a ter contato artístico, pelos livros paradidáticos, a gente fazia versões, de áudio e vídeo desses paradidáticos. Daí a gente sai desse ambiente escolar e passa por ambiente normal. Criamos grupos,ali na periferia. Iniciei em dois grupos, um que eu lembro foi o grupo do Eduardo Prazeres e o outro com o Márcio Felipe, chamado grupo Identidade Própria. Bom, mas a primeira vez que eu vi teatro, foi uma peça do Adalmir Miranda, que é ‘Ulices entre o amor e a morte’, na época foi recomendado a leitura para conteúdo do vestibular, então fui assistir o espetáculo, foi primeira vez que entrei, conheci o teatro de perto, me encantei e de lá pra cá nunca mais parei.
Luís Gonzaga: Tive meu primeiro contato com arte na escola. Eu era um menino muito brincalhão, sempre muitas brincadeiras, repeti muitos anos na escola. Quando chegou o professor Clodomir Júnior, ele era professor da disciplina de artes, então ele levou o teatro para a minha escola, foi a partir daí que vi uma possibilidade, cara, isso é massa, quero fazer isso aqui. Aí desde lá, pronto, até hoje estou.
2 – Geleia Total – Em meio às dificuldades da periferia teresinense, o que faz vocês seguirem acreditando na arte como caminho?
Luã Jansen: É difícil, porque fazer arte, já tem uma complicação. A gente sabe que quer trabalhar com arte, tem sempre dificuldade financeira e tal, mas como toda profissão tem, né? Tem altos e baixos, mas na periferia em específico é bem difícil porque a gente é nascido, criado para não ser artista. A gente não tem contato com arte na periferia, então não tem esse incentivo dentro de casa, nem fora, não tem muito acesso. Entretanto, fui entendendo que tinha habilidades técnicas, e gostava de apresentações públicas, sempre gostei, eu sempre gostei de estar de uma maneira que as pessoas aplaudissem. Eu queria aparecer de uma forma de uma forma legal, onde as pessoas pudessem sorrir, se emocionar. E de lá para cá é isso que que eu venho acreditando.
Luís Gonzaga: Ah, é uma outra perspectiva de vida, é um outro modo de realidade, de ver a realidade, de ver as coisas, de encarar essa realidade dura, que a gente que vem proveniente de periferia enfrenta cada dia. É um meio de vida.

3 – Geleia Total – Vocês se lembram de algum momento marcante ou pessoa que ajudou a despertar esse lado artístico?
Luã Jansen: Sim, meu professor de literatura, Franklin. Um cara que incentivou a gente, foi muito importante nisso, porque ele mostrou que a leitura poderia também ser inventiva, a gente poderia usar outros meios, Além da leitura mesmo normal, aquela que você tem acesso ao livro. Você poderia também pensar que esses livros poderiam acessar outros locais como áudio, vídeo, teatro, pela lente da TV, enfim, pensar ele em forma de poesias e tudo isso dá um contraste melhor para você vivenciar isso. É porque você lê um livro é uma coisa, você vê um livro é outro totalmente diferente.
4 – Geleia Total – Como foi o encontro entre vocês? Quando o caminho de vocês se cruzou na arte e na vida?
Luã Jansen: Rapaz, essa pergunta é curiosa porque, quando conheci o Luís, eu nem tava muito envolvido com arte ainda. Trabalhava como motoboy numa locadora do meu irmão e tinha acabado de voltar de um mochilão. Nessas viagens, vi muita movimentação artística, especialmente em encontros circenses nas praças das capitais, com artistas trocando experiências e treinos. Quando voltei pra Teresina, quis trazer isso pra cá também. Não inventei nada, só adaptei pra nossa realidade. Como não dava pra ir toda semana pro centro com material de circo, comecei na praça do meu bairro mesmo — foi por questão financeira, não escolha. Um dia, o Luís apareceu, perguntou onde rolavam os encontros, eu falei da Praça do Renascença e ele foi. Desde então nunca mais parou de ir. Já são nove anos nessa parceria.
5 – Geleia Total – O que a arte representa pra vocês hoje? Ainda é resistência? Ainda é refúgio?
Luã Jansen: Bom, muito bom tocar nesse assunto porque eu penso a arte não como um processo assim de migalha. Eu penso que a arte completa e ela tá aí, ela vai continuar aí a vida inteira. A gente vai sair, vai entrar e a arte continua. A gente é que tem que saber por quais caminhos tem que ir pra gente conseguir o que a gente quer. Então eu vejo muito arte como estudo, trabalho e dedicação cotidiana para que a gente possa consiga chegar a algum lugar. Rapaz, a arte, assim como qualquer outra profissão, o processo artístico, ele é difícil, ele é estressante, entendeu? Então você tem que buscar sempre sabedoria a vivência do momento.
6 – Geleia Total – Como nasceu o circuito circense? e o que motivou a você a criar esse projeto dentro do Grande Dirceu?
Luã Jansen: O circuito circense é um processo de ocupação de espaços públicos através do circo, mas ele é muito mais que isso. O circuito é um contato direto com as pessoas através do artista Luã e do artista Luís. O Circuito Circense nasceu quando voltei pra Teresina e senti a necessidade de fazer algo pelo meu bairro e por mim, unindo minha vivência como artista e a realidade de onde moro.
Começou como uma ação pessoal, mas logo virou coletiva — um diálogo direto com a comunidade. Ali, o artista deixa de ser só um artista e vira alguém que convive, escuta, compartilha. Com as oficinas de circo, mostramos que a arte é feita por pessoas reais, com dificuldades e alegrias como qualquer trabalhador. A arte é trabalho, é resistência, e precisa ser reconhecida como tal.

7- Geleia Total – Quais foram os primeiros desafios para manter o projeto vivo numa região que enfrenta ausências do poder público?
Luã Jansen: Quando começamos o projeto, já sabíamos que ele nasceria endividado e passaria por dificuldades, especialmente sem recursos. Nos dois primeiros anos, trabalhamos muito, sem quase nada, mas a confiança da minha família e do meu parceiro Luís foi essencial para seguirmos em frente. Sabíamos que era uma fase difícil, mas a chave foi acreditar no que estávamos fazendo e contar com o apoio de quem acreditou em nós. Com o tempo, fomos reinvestindo no projeto, melhorando os materiais e buscando formação, sempre com foco no futuro. Trabalhar de graça no início e formar parcerias foi fundamental. Hoje, trabalhamos em órgãos como o Sesc, por exemplo, mas, tudo começou porque alguém acreditou no nosso trabalho. Foi um processo de confiança, esforço e fidelidade às parcerias que nos levou até aqui.
8-Geleia Total – Você sente que o projeto ajudou a mudar a visão da comunidade sobre o que é arte circense?
Luís Gonzaga: Quando chegamos na praça do Renascença, era escura e pouco frequentada, considerada até perigosa por quem passava por ali. Mas depois que levamos o projeto, a coisa mudou. A economia local se movimentou, com os vendedores oferecendo seus produtos, a praça foi revitalizada, com melhor iluminação e infraestrutura, e a interação das pessoas cresceu. No início, tivemos muito apoio da comunidade: moradores cederam energia, casas, e até vendedores de frango ajudaram nos festivais. Essa colaboração foi fundamental. O apoio dos pequenos empreendedores e da galera do bairro foi essencial para que a praça se transformasse.
Luã Jansen: E um ponto importante que eu sempre digo: ninguém faz nada sozinho. Nos eventos, por exemplo, não tínhamos nem caixa de som, mas a ajuda sempre apareceu, mesmo com as dificuldades. É isso, o trabalho em conjunto fez tudo acontecer.
9 – Geleia Total – Em qual o momento que vocês perceberam que o circuito circense era mais do que um projeto?
Luã Jansen: O projeto começou como um desejo pessoal meu, como artista, de devolver à minha comunidade tudo o que aprendi ao longo da vida, especialmente no circo. No início, era algo muito pessoal, mas ao levar para a praça, ele se tornou coletivo, de todos. A praça, o circo, tudo ali passou a ser de quem interage com ele: o público, as famílias, as crianças, as pessoas que sentam e dialogam. Eu nunca imaginei que duraria tanto. No começo, o medo era não conseguir manter o projeto por falta de recursos, mas a vontade de seguir em frente foi mais forte. Após a pandemia, eu achei que iria acabar, mas o projeto se fortaleceu. Em 2024, conseguimos o financiamento público, o que foi um grande marco. Agora, com mais apoio financeiro, estamos mais autossustentáveis e trabalhando para expandir.
Luís Gonzaga: A partir do momento que aquilo dali estava me gerando dinheiro, para me manter, comprar minhas coisas, gerar renda, pagar conta e a partir do momento que a mãe e os pais confiavam deixar seus filhos lá com a gente e saía e a gente ficava cuidando a partir da interação com as pessoas. Aquilo ali já tomava uma outra proporção. Então foi a parte disso, dessas interações com as pessoas e o financeiro, que ajudou a gente manter, pagar nossas contas, a comprar moto, botar gasolina, a comprar comida, a comprar móvel de casa, entendeu? A comprar até mesmo casa.
10 – Geleia Total -Quem chega junto com vocês? Como é para manter a estrutura com a formação artística com poucos recursos?
Luís Gonzaga: No começo era nós mesmo, como o Luã tinha dito, era a gente fazer um trabalho, botava dinheiro no caixa para conseguir viajar, comprar nosso próprio material. Mas o material, o Luã se esforçou, tirou esse dinheiro para comprar o material, mas a princípio, foi do nosso bolso mesmo, como todo o projeto em si foi do nosso bolso, entendeu? Foi dificultoso, mas depois do projeto Circolando a gente também teve essa oportunidade de comprar nosso material, isso é bom.

11- Geleia Total – Tem alguma história que emociona quando olham para trajetória do circuito? Algum jovem, alguma família, algum momento que ficou marcado?
Luís Gonzaga: Uma história marcante foi a do Bruno, um garoto que começou a brincar com a gente, treinava, se interessava e sempre recebia conselhos. Sabíamos que o contexto familiar dele era difícil, e aos poucos vimos ele se afastando, se envolvendo com drogas e bebidas. Infelizmente, em 2023 ou 2024, ele foi assassinado na praça do Renascença, perto do ginásio poliesportivo. Esse caso foi muito doloroso, assim como outros jovens que também se perderam para a violência. Então, Bruno era talentoso, se destacava no circo e inspirava outras crianças. Com apenas 12 ou 13 anos, sua perda foi um golpe forte para todos nós. Sempre tentamos acolher esses jovens, mas, infelizmente, o destino dele foi trágico. No entanto, o circuito também tem muitos momentos felizes.
Luã Jansen: Conseguimos integrar outras formas de arte e trazer produções importantes para a praça, como o Festival de Palhaços e apresentações de artistas nacionais, como o Vasconcelos, que é famoso por seu trabalho no filme ‘Carandiru’. Tudo isso foi possível com recursos próprios e parcerias, algo que sempre buscamos fortalecer. Hoje, estamos conseguindo até pagar artistas para essas colaborações, o que representa um grande avanço. Então, também somos gratos a dois colegas, Jéssica e Ítalo que gostaria de citá-los, que foram muito importantes para o fortalecimento do circuito. Então, a Jéssica Silva foi uma componente que ficou alguns anos com a gente ela compôs o circuito circense durante uns anos de 2017 até 2019, e ajudou a pensar as coisas e trabalhou muitos anos com a gente no espetáculo. Ela desenvolveu a sua técnica no bambolê, foi excelente e ela não seguiu no projeto, ela preferiu sair e seguir a vida dela, mas elas têm um carinho pela gente enorme, por mim, pelo Luís, sempre quando a gente se vê, sempre quando ela passa lá, ela abraça a gente, adora a gente. Mas ela construiu muito uma história muito bonita dentro do grupo viajou com a gente.
O outro é o Ítalo, um vizinho meu que a gente foi criado juntos no bairro, de frente e foi ele que acreditou no início, ainda não Conheci o Luís e ele foi que acreditou. Então ele foi um dos caras que me ajudou, porque eu não tinha dinheiro para ficar levando material para os locais. Então basicamente foi isso, ele acreditou, chegou aí comigo várias vezes, ele foi um foi um dos primeiros componentes do Circuito Circense, o Ítalo acreditou sem nem perguntar, ele só disse: “Bora, vamos a chegou a aprender coisas. Mas hoje ele trabalha numa padaria, ele é padeiro, faz nosso pão”, ainda ajuda a gente.
Atualmente, o Circuito Circense, atua com o projeto “Circolando”. De acordo com o circuito, o projeto é uma iniciativa cultural financiada pela Lei Aldir Blanc em parceria com a Secretaria de Cultura, nascido de um encontro inspirador entre artistas. Este programa visa oferecer oficinas gratuitas de circo e artes integradas – incluindo música, dança, hip hop (com slam e grafite) – para a comunidade, especialmente a juventude periférica. O objetivo principal é promover a autossustentabilidade do projeto e transformar a realidade dos participantes através do desenvolvimento físico, mental, educativo e cultural, além de revitalizar espaços comunitários. O “Circolando” também se destaca pela inclusão de acessibilidade em Libras em todas as suas atividades e pela abertura de uma seleção pública exclusiva para pessoas negras interessadas em ministrar oficinas.

12 – Geleia Total – E agora com Circolando aprovado na PENAB? Como vocês vem essa nova etapa? O que mudou?
Luã Jansen: “O projeto Circulando surgiu com o apoio da Lei Aldir Blanc e é financiado pela Secretaria de Cultura. Ele começou após um encontro com o produtor Luís Manuel, do Rio Grande do Sul, que se encantou com nosso trabalho e propôs uma parceria. Juntos, criamos um projeto para tornar o Circuito Circense autossustentável, sem precisar usar o próprio bolso para financiar o projeto. Em 2024, fomos aprovados no edital com um financiamento de R\$100.000 para um projeto de 8 meses.
Além das tradicionais oficinas de circo, agora estamos ampliando com música, dança, hip hop e grafite. As oficinas são conduzidas por artistas locais renomados, como Débora Santos, Clara do Ovo, Newton Vidal, entre outros. O projeto também é inclusivo, com acessibilidade para pessoas surdas e tradução em Libras. Além disso, estamos abrindo uma seleção pública para oficinas, com cachê de R\$3.000 para quatro encontros. A seleção será feita por uma equipe externa, composta por produtores culturais de Caxias, garantindo transparência no processo. O foco da seleção será para pessoas negras.
O projeto surgiu numa viagem que foi feita em Caxias e a gente teve um contato com um produtor e artista do Rio Grande do Sul, o Luís Manuel, que, viu a apresentação, ficou simplesmente encantado. E a gente fez uma parceria, quando saiu o edital, eu conversei com ele e ele prontamente me ajudou com todo o projeto da construção inicial até o final.
13 – Geleia Total – Como funciona a dinâmica das oficinas e das trocas, o que vocês ensinam e o que vocês aprendem com público alvo?
Luís Gonzaga: A gente continua com os encontros às quintas-feiras, levando oficina de malabares. Que inclusive já foi finalizado no projeto. É, mas ainda falta algumas, estava tendo oficina de dança, acabou uma, começa outra. Mas as atividades na quinta-feira específico acontecem numa atividade no sábado, mas a atividade na quinta-feira a gente sempre tá lá e acabando uma começando outra oficina. A gente planejou dessa forma.
É, falta finalizar de malabares pois, já tá lá rolando de dança, já que é outro dia, mas mesmo assim, na quinta-feira, a gente tá na praça e agora dentro das escolas acabou de dança, vai começar o de grafite e o de slã em conjunto, entendeu? Então, é mais ou menos isso. O projeto está dividido dessa forma, as oficinas até o mês de setembro que a gente vai fazer todas as quintas-feiras e outros dias também da semana por conta, como é a gente vai finalizar em setembro, e a gente aproveita para juntar as oficinas.
14 – Geleia Total – vocês acham que esse tipo de ação pode transformar a realidade da juventude periférica?
Luã Jansen: Com toda certeza, e aí eu não estou falando sobre e pensar isso de uma forma romântica, de uma forma prática mesmo assim, sabe? Muda a realidade sim. É verdade, a realidade do pensamento, a realidade da forma como a realidade física, ativa.
Penso assim, o circo em várias nuances. Eu penso no físico, no mental, no educativo, no cultural. Acho que tudo isso é importante. No mental você passa a conviver com apresentações públicas. Você se apresentar publicamente é um processo mental muito forte.
Não é todo mundo que tem essa capacidade técnica de ir para rua, montar ali seu material e apresentar para 20, 30, 40, 500 pessoas. Você tem que ter um preparo psicológico muito grande. Isso ajuda na vida, mano. Trabalho, calma. Trabalho físico. O circo, assim como todas as artes, ele é assim, uma pegada física. Treinar circo é cotidiano, constante e intenso. Então, eu sou a prova mesmo dessa mudança de expectativa, de achar um meio de sobrevivência, de ganhar dinheiro. Quando comecei o circuito circense, quando eu ia pra praça, eu já achava incrível só o fato das pessoas passarem ali e ver a gente já treinando. Então para mim já foi muito é muito incrível o poder que essa arte tem, que o Circolano tem na vida, não só dos jovens, mas das crianças, dos idosos, como todo mundo que interage lá. Então é assim, movimenta, muda a expectativa do jovem, do adolescente, da criança, do mais velho.

15 – Geleia Total – Como é levar o Circolando para diferentes comunidades mantendo a essência da periferia e do circo?
Luã Jansen: Hoje eu tive duas sensações muito positivas. Percebi que a comunidade, as escolas, as associações, as UBSs — todas as instituições locais — querem muito participar de atividades culturais. O que falta, muitas vezes, é que essas ações cheguem até eles. Existe vontade e abertura. Conversei com uma professora que quer levar grafite e circo para dentro da escola. Eles têm um projeto chamado Bajas Negra, de revitalização de um espaço nos fundos da escola onde as pessoas costumavam jogar lixo. A situação chegou ao ponto de o lixo invadir a escola. A saída encontrada foi a arte: trouxeram artistas, fizeram intervenções com artesanato, e isso deu um novo sentido ao local. O lixo parou de ser descartado ali. Agora querem revitalizar o muro com grafite. Uma ação artística levou a outra — e o resultado foi imediato. Então a arte tem um impacto direto no comportamento das pessoas.
A arte modifica os espaços. O projeto Circolando chega com força, às vezes com estranhamento, mas sempre provoca mudança. E o mais incrível é ver a reação das pessoas quando descobrem que tudo é gratuito. Isso gera acolhimento, leveza, aproximação. As famílias participam, voltam, trazem outras. Já vimos crianças que começaram a frequentar a praça no colo dos pais e agora já estão andando, participando ativamente.
Luís Gonzaga: Pegando o que o Luã falou, o próprio Circuito Circense modificou aquele espaço. Quando a gente chegou lá era um monte de lixo também na praça, nos unimos com a comunidade e fizemos placas para botar no pé da árvore lá para não jogar mais lixo. Hoje em dia já tem lá uma estrutura para recolher o lixo gigante, separadinho, metal, papel, tudo bem dividido. O Circolando só foi é uma mola propulsora pra gente poder ir para outros lugares, né? Mostrar o nosso trabalho para outras pessoas.
16 – Geleia Total – Como tem sido o engajamento do público nas apresentações?
Luís Gonzaga: Tem sido lindo. Semana passada, tivemos um público de mais de 100 pessoas assistindo a uma apresentação com circo e dança. A praça estava cheia, as famílias estavam lá. As atividades culturais estão sendo muito bem recebidas. A comunidade tem abraçado o Circolando de forma muito afetuosa. E isso mostra que a cultura, quando acessível, realmente transforma.
17 Geleia Total – Quais são os seus sonhos, que vocês ainda têm com projeto? O que falta acontecer a partir de um movimento que fortalece a arte periférica?
Luã Jansen: É aquela coisa que você dorme à noite, é só sonho. O sonho para mim é só quando eu durmo. Eu vivo a realidade constantemente. Não gosto muito dessa coisa de sonho não. Eu acredito que que o sonho ele é cotidiano. Gosto de sonhar quando eu durmo mesmo, na vida eu sou bem racional. É porque assim quando eu fiz quando eu quando eu projetei o circuito de circense, eu não sonhei. Eu o vivenciei. Peguei todo o meu dinheiro, todo que eu tinha de moto táxi e comprei o material e as coisas foram acontecendo. Eu nunca fui um cara muito de projetar muita coisa, mas com o circuito circense eu sinto que eu fiz algumas projeções mesmo.
Porque na minha vida mesmo pessoal, eu nunca consegui pensar dois passos à frente. Mas eu consegui pensar o circuito circense ao longo dos anos. Quando você também trabalha cotidianamente, você tem que passar essa visão para as pessoas que tá com você e ser bem honesto com elas. Porque senão as coisas desandam.

Luís Gonzaga: Ah, viagens, que é a parte melhor que tem é a nossa viagem, conhecer novos artistas, novas pessoas, fazer oficina, fazer amizade, que é a melhor parte, a troca de experiência, e ver algo novo, trazer pro espetáculo, então isso para mim é a melhor parte que as conexões que a gente faz com as outras pessoas, o conhecimento que a gente troca, um truque novo que a gente que a gente aprende, uma piada nova que a gente pega. O nosso espetáculo praticamente foi em cima disso, a gente montou o espetáculo, mas a partir das viagens a gente foi vendo uma piada ali, um truque ali que a gente podia encaixar e a gente foi montando, muito massa.
18 Geleia Total – O que vocês diriam que o circuito ensinou a vocês que nenhuma escola formal jamais ensinaria?
Luã Jansen: Temos 9 anos de amizade e trabalho juntos, e o segredo da boa convivência é o respeito ao espaço do outro. Trabalhamos em projetos em comum e também individualmente, com responsabilidade e diálogo. Cada um tem sua liberdade, e isso é respeitado. Como sou mais velho, às vezes oriento, mas sempre com troca. Luís tem amadurecido profissionalmente e entende melhor o ritmo do trabalho. A única vez que interferi foi quando a vida pessoal começou a atrapalhar o projeto. Porque, no fim, tudo passa pelo trabalho — é ele que sustenta a vida. Por isso, sempre digo: respeite seu trabalho e quem constrói com você, então, por fim, o circuito me ensinou muita coisa: a ter disciplina, a ter boas parcerias, a respeitar as pessoas com quem eu trabalho, a ter paciência e a evoluir — não espiritualmente, mas tecnicamente mesmo, profissionalmente. Tipo, se eu vou fazer um número, eu tenho que treinar, estudar, me aplicar.
Hoje, o circo é meu sustento, é com ele que eu pago quase todas as minhas contas. Mas pra isso eu trabalho pra caramba, trabalho em três companhias, com várias pessoas. Já fiz bico, já rodei. O circo me profissionalizou como artista.
Só que com o tempo eu percebi que o corpo muda, que tem coisa que daqui a pouco eu não vou conseguir mais fazer. Aí fui buscar formação intelectual: voltei pra universidade, fiz outra graduação, agora estou na pós. A ideia é, no futuro, ensinar em vez de ficar só na cena. E nisso, me tornei um bom produtor cultural, porque sempre quis desenvolver mais habilidades.
Luís Gonzaga: O circo, principalmente o circo de rua, me ensinou a ter, disciplina, paciência, amizade e me ensinou a entender que as coisas, as bases da nossa vida, uma construção sólida de algo fixo para você, leva um tempo.
Leva um tempo. Circuito Circense levou quase 10 anos para chegar onde está hoje. Então isso foi de suma importância para mim para levar esses aprendizados que eu aprendi dentro do circo com o Luã, principalmente que ele é como meu pai. O que o meu pai não fala, o Luã me fala, eu levo pra vida, paras os outros âmbitos, né? Eu levo para os estudos, a disciplina em casa, na minha organização. Então, em tudo isso.
Ficha Técnica:
Nome Completo: Luis Gonzaga e Luã Jansen
Descrição: Artista Circense
Local de Nascimento: Teresina (PI)
Escrito por: Luan Rodrigues
Revisado por: Paulo Narley
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