“Celebrar o saber é preservar a memória dos povos”
O livro Idamotuma a Reje – História de los Waraos / História dos Waraos, “Celebrar o saber é preservar a memória dos povos”, é a primeira obra escrita por comunidades indígenas no Piauí. A iniciativa marca um momento histórico para a literatura e a educação intercultural no estado, e celebra o poder da escrita como ferramenta de resistência e preservação cultural.
A obra foi idealizada por Marcones Brito da Costa, professor do Instituto Federal do Piauí e coordenador do Projetação e Saberes, que enfatiza a importância da gestão participativa no projeto, destacando que “as coordenações são deliberativas” e que as populações indígenas têm prioridade na alocação de recursos.
Segundo Marcones, a obra, fruto de um intenso trabalho coletivo entre os Waraos e instituições parceiras, resgata tradições, memórias e modos de vida de um povo que há séculos habita as margens dos rios e mantém viva sua língua e cosmovisão. Mais do que um livro, Idamotuma a Reje é um testemunho da força da oralidade transformada em palavra escrita — um gesto de afirmação identitária que ecoa o lema do evento: “Celebrar o saber é preservar a memória dos povos.”
O projeto nasceu dentro do programa federal Ação de Saberes Indígenas, vinculado ao MEC por meio da CECADI. Segundo o idealizador e coordenador institucional do projeto no IFPI, a proposta vai muito além da publicação de um livro — ela representa uma revolução na forma deproduzir conhecimento. “O diferencial é que os próprios povos indígenas escolhem os temas e conteúdos que querem que seus filhos estudem. Isso é inovador no mundo todo”, destacou.
“O processo de criação da obra envolveu oficinas, debates e escolhas coletivas, conduzidos por uma coordenação indígena eleita em assembleia. Após a maturação dos temas, o material foi organizado, diagramado e transformado em livro, retornando às comunidades e sendo compartilhado com escolas e universidades. Segundo o professor, o projeto fortalece a identidade dos povos originários e rompe com o modelo tradicional da educação ocidental, dando voz e protagonismo às comunidades na construção de seus próprios saberes”, afirma Marcondes.
Marcones ressalta que a obra representa um passo essencial para o fortalecimento das identidades indígenas no Piauí. Ele destaca que o diferencial do programa é permitir que os próprios povos escolham o que seus filhos devem estudar, valorizando suas histórias, saberes e tradições. No estado, foram produzidos quatro volumes que narram diferentes experiências e culturas: o dos povos Gueguê, sobre as plantas sagradas e medicinais do Cerrado; o dos Waraos, que resgata a memória e combate o preconceito sofrido pelo grupo em Teresina; o da Lagoa de São Francisco, com os cantos sagrados do Toré; e o de Piripiri, que conta a trajetória de suas lideranças.
Segundo Marcones, essas obras não são apenas materiais didáticos, mas instrumentos de autoestima, reconhecimento e resistência cultural. Elas representam uma estratégia de existência e afirmação para os povos indígenas, possibilitando que suas próprias vozes conduzam a narrativa sobre quem são e sobre o que desejam transmitir às futuras gerações.
A criação de uma obra indígena representa, por si só, um ato de enfrentamento a diversos desafios — entre eles, o da própria escrita, historicamente negada ou silenciada aos povos originários. Segundo o escritor, produzir a obra é um ato de resistência.
“É o primeiro material indígena produzido eminentemente por indígenas, eles escolheram o tema, trabalharam as oficinas, produziram o material, e a instituição apoiou. Mas, com recurso também conseguido por eles. Esse material é um material de disputa, como todo material. Pierre Bourdieu, que é um teórico europeu francês, diz algo excepcional, a violência simbólica, né? Ela se dá principalmente no currículo, geralmente, os temas escolhidos para as crianças comuns, as crianças não indígenas são escritos por pessoas que na maioria das vezes não vivenciam esses contextos. Essa crítica já é feita há muito tempo principalmente pelo Paulo Freire quando vai pensar uma educação extremamente bancária. Então, esse livro não é só existência e resistência, ele também é um marco na conquista identitária a partir do momento em que eu falo das plantas medicinais, das plantas indígenas de que eu falo dos cantos de toré, de que eu vou falar de outras coisas que me tocam e produzem a minha existência”, disse.
O professor destaca que o lançamento representa não apenas um marco cultural, mas também um desafio superado diante de um mercado editorial ainda pouco aberto às produções indígenas. “É muito raro no Brasil você encontrar uma editora que consiga trabalhar com essas dinâmicas. O mercado não está preparado ainda para essas produções”, destacou, lembrando que o processo de publicação “demorou muito para sair” devido às dificuldades e custos da produção de livros voltados ao público infantil e às especificidades culturais envolvidas.
Marcones enfatiza que o projeto tem um peso histórico profundo, especialmente no contexto piauiense, onde “durante muito tempo nós não só negamos os indígenas, mas também a sua história, sua historiografia e suas dinâmicas”. Para o coordenador, o livro chega em um momento providencial, fortalecendo a importância de reconhecer e valorizar a presença indígena no estado. “Esse livro já chega no momento certo, mas ele poderia vir infinitamente antes”, concluiu, ressaltando o caráter reparador e educativo da publicação.
De acordo com o idealizador, o livro é resultado de um processo coletivo,democrático e cuidadosamente construído, viabilizado por meio de apoio público e financiamento federal. “Esse material contou com apoio de expressões públicas, principalmente de recursos. Ele é um projeto diretamente financiado pelo MEC, através de uma secretaria especial de direitos humanos chamada CECADI”, explicou. O programa, voltado ao fortalecimento das identidades e à produção de materiais audiovisuais de populações indígenas e ribeirinhas, custeou oficinas, bolsas para cursistas, materiais e viagens de professores indígenasque participaram ativamente do processo formativo.
Segundo ele, cada etapa da elaboração foi feita em diálogo constante com as comunidades. “O processo democrático não é rápido, porque ele requer debate”, afirmou, ressaltando que, desde a diagramação até a escolha das capas e das fotos, tudo foi validado e revisado pelos próprios indígenas. Para o professor, essa dinâmica colaborativa é o que torna a obra singular: um livro feito por e para os povos indígenas, com o tempo e o cuidado que o respeito à sua cultura exige.
Para o idealizador da obra Idamotuma a Reje – História de los Waraos / História dos Waraos, o livro carrega uma mensagem poderosa de existência, resistência e valorização da identidade indígena no Piauí. “Os indígenas piauienses não só existem, como eles resistem e re-existem. Eles produzem uma existência potente em todos os cantos do estado”, afirmou. Segundo ele, a publicação transforma em documento histórico o que antes era apenas contado e vivido nas comunidades. “Aquilo que era dito, gritado e apresentado em vários lugares, agora é documentado. O livro físico tem esse papel de aparecer como um documento histórico potente”, destacou.
O idealizador também reforça que o projeto segue em expansão. “O segundo volume do Ação de Saberes Indígenas na Escola já está em elaboração”, explicou, adiantando que novos materiais estão sendo produzidos pelas próprias comunidades e que os quatro primeiros volumes serão lançados até o início de novembro, em versões física e digital, disponibilizadas em todo o país via MEC e FNDE. Ele acrescentou que há expectativa de ampliar o alcance da iniciativa: “No ano que vem, a possibilidade é que sejam seis livros, chegando a novos grupos étnicos”.
Ele também anuncia o lançamento do segundo volume, “a história dos Warao”, no dia 24, e dos “cantos de Toré”, em Nazaré, no dia 1º de novembro, além do quarto volume sobre as “Histórias das Lideranças Indígenas”. Marcondes convida a todos a participarem desses eventos, ressaltando que “é importante divulgar e entregar esse material para a sociedade”, afirmando que “esse material é dos indígenas, mas também é de toda a população do Piauí”.
A obra será lançada nesta sexta (24), às 8h, na Reitoria do IFPI, em Teresina. Local: Avenida Presidente Jânio Quadros, N° 330, Santa Isabel, Teresina(PI) – Reitoria IFPI, às 8horas.
IDAMOTUMA A REJE
HISTÓRIA DE LOS WARAOS
HISTÓRIA DOS WARAOS
“Celebrar o saber é preservar a memória dos povos”.