Definitivamente morte e Vicente de Paula não cabem na mesma frase. Porque tudo o que fez foi com muita vida, alegria e coragem. Aos amigos com quem conversei durante essa segunda-feira (19) foi uma unanimidade falar do seu sorriso no rosto. Um sorriso que a partir de hoje ficará na memória dos amigos, familiares e colegas.

Na manhã de hoje recebemos com muita tristeza a notícia do falecimento de Vicente de Paula Nascimento Leite Filho que era jornalista, trabalhava também na área da educação, produção cultural e performance. Plural, múltipla e ao mesmo tempo única. Com apenas 35 anos, Vicente se despede do palco da vida após a luta contra um câncer.
Vicente não foi só artista. Foi provocação delicada. Foi gargalhada em minissaia. Foi poema em forma de gente. Uma pessoa criadora e inquieta, jornalista com alma de bailarina, ativista com o corpo inteiro. Era um gesto de liberdade permanente, uma performance de viver.

Nos palcos, nas ruas, nas salas de aula, nas comunidades, Vicente não apenas ocupava — transbordava. Falava com as mãos, com os olhos, com o corpo todo. Cantava, dançava, escrevia, encenava. Era presença que modificava o ar.
“Eu e Vicentina fomos apresentadas por Malu Pantera. A química bateu de imediato por sermos aquarianas gigantes: fluidas, soltas, livres… A admiro muito por sua postura de ruptura em vida (artística, acadêmica, de todas as formas). Vicentina quebrou vários tabus por onde passou. E fazia isso de uma forma tão espontânea…
Uma pena que nosso banho de rio em Amarante não deu certo… Mas mergulharei lá e sentirei você, certeza!
Aquarianas gigantes apontam o futuro para o coletivo. Ainda estou a decifrar esta mensagem oracular de sua partida…”, afirma a amiga Samdra Dree.
Sua arte nunca foi neutra. Na Universidade Federal do Piauí (UFPI), como estudante de Comunicação Social, foi onde iniciou seus trabalhos artísticos. Denunciava, questionava, libertava. A “Saga das Calcinhas” segue viva como símbolo de resistência contra o machismo, a violência, a opressão dos corpos.
A artista Janaina Lobo se orgulha em dizer que foi a primeira professora de Dança de Vicente, que era muito dedicado e atencioso, e lembra com muito carinho os momentos de aprendizagem e ensino que teve com ele.
“E eu lembro também que uma coisa que me marcou muito é que ele não sabia fazer cambalhota. Então, era uma coisa que a gente trabalhava na aula, e ele morria de rir, ele dizia que ia aprender a fazer. No primeiro contato com dança, ao mesmo tempo, ele tinha um entendimento artístico já muito afiado. Então, tudo ele entendia, ele estava super dançando.”, recorda Janaina Lobo, artista de dança
Vicente tem mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), e estava no doutorado em Artes da Cena pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Ainda na UFPI, pesquisou sobre os poetas jornalistas Mário Faustino e Patrícia Galvão (Pagu). E também desenvolveu trabalhos audiovisuais e artísticos relacionados com movimentos sociais, LGBTQIA+, meio ambiente, comunidades ribeirinhas e quilombolas.
A amiga Milena Rocha, jornalista e cineasta, nos revela uma carta que ela mesmo escreveu para Vicente. No texto ela relembra do tempo em que eram estudantes da UFPI.
“Te escrevo o que a memória não permite esquecer.
Teu banho na torneira do anfiteatro. Vestidos com trajes azul cor de céu e TNT do CA.
Entre Aulas- Entre Atos
Tua existência é marcada por uma boca de batom vermelho que pulsa uma vida Pagu.
Te agradeço por me apresentar Pagu.
A Conheci por tua própria reinvenção de ser no mundo.”, um trecho da carta de Milena Rocha do qual a Geléia Total teve acesso.
Em Amarante, criou junto ao amigo, professor e coreógrafo Nego Val o Casarão da Arte — um espaço de criação e liberdade que desenvolve atividades com crianças, jovens e adultos ligadas à dança e às performances artísticas.

Com Nego Val, também fundou o coletivo Bixanikas, grupo conhecido por suas apresentações intensas, que unem música e dança como forma de enfrentamento ao preconceito, em especial o de gênero, raça e sexualidade.
Artista que transgrediu (no bom sentido da palavra!), Vicente transitou muito bem pela arte e pela cultura. Uma das poucas pessoas que merece o termo multiartista. É uma referência e inspiração na cena cultural para os artistas mais jovens.
“Vicente, obrigada por nos inspirar com os seus movimentos de vida, com as suas cores, com a sua arte, com o seu pensamento, sempre tão afiado e preciso, com a sua alegria de viver, com a sua liberdade. Você deixa isso para a gente aqui, deixa também um grande Brasil, mas vai ser também inspiração para mim e com certeza para muitos artistas que te admiram e te acompanham. Obrigada por ter passado pela minha vida. Vicente era o encontro da inteligência com a sensibilidade, com a ousadia, com o humor, com o colorido.”, afirma Janaina Lobo
