Sobre a obra “Ressuscito na cidade suicida”, de Alex Sampaio, por Marciléia Ribeiro

Viver a cidade

Escrevo demorado. Pensar demais antes de escrever é como jogar o tempero para cozinhar o prato no outro dia. É deixar o martelo da consciência batendo até a nobilitante ideia sair. Apesar de ter nascido e de ter vivido toda a minha trajetória, até hoje, em Teresina, digo que AGORA – sim, agora – é que estou aprendendo a me reinserir neste espaço tão enigmático e cheio de boas e de algumas más surpresas. Dessa maneira, escrever sobre qualquer coisa que fale sobre Teresina faz como que o martelo acelere e deixe latejando a consciência, mesmo que eu tenha deixado o prato marinar por dias.

E, com o prato ainda no forno, eu quero escrever sobre a obra de Alex Sampaio, “Ressuscito na cidade suicida”, em sua segunda edição. Martelinho batendo para a minha escrita sobre um texto que me tocou de uma forma surpreendente, pois foi uma leitura que me movimentou e me permitiu pensar Teresina de outras formas, me permitiu espaço para me reinserir ainda mais. Importante ressaltar como a literatura tem, além de todas as suas funções, esse poder mágico de nos fazer sentir na pele sensações desconhecidas. A obra de Alex Sampaio me garantiu isso: a reinserção em lugares pelos quais eu transito todos os dias. Como abordou Maria Sueli em sua belíssima apresentação sobre a obra, é uma “fusão entre natureza e pessoa, corpo e mente, vida e morte”. É uma catarse completa, viva.

“(…) Demolidos os andares do prédio… sem forças até pra deixar esta mensagem escrevo por meio de outra linguagem… porque há uma morte que vem de dentro de mim.” (De dentro de mim – p. 26)

Se Clarice Lispector escreveu por meio de uma linguagem denominada por ela de “eu mesma”, Alex Sampaio escreve também através de outra linguagem, a linguagem da ressurreição. Uma linguagem ensolarada, de ocupação – uma linguagem sobre apropriação daquilo que somos e daquilo que a cidade é.

Sempre busquei ter um olhar atento para Teresina, mas só agora compreendi esse sentimento de pertencimento. Aos poucos, devagar – ainda com areia nos olhos – vou olhando a nossa cidade com o corpo e olhando-a como um corpo. Não há como transitar pela Avenida Frei Serafim sem sentir o espírito do “animal urbano” que todos nós somos, mas que só o sabemos ao despertar do sentimento de pertencer ao lugar que se constrói em nós e em que estamos: “suicídio é o abandono da cidade”, por isso os “mendigos” são os donos do mundo, pois eles precisaram aprender a confiar no chão áspero e duro onde dormem.

Morrer vai acontecendo aos poucos quando nos deixamos escapar dos cantos que somos. É sobre ser e estar. Pertencer é também sobre amar e sobre enxergar o que é construído na nossa cidade, a cidade que cresce dentro e fora de nós.

“(…) Refiro-me à cidade que aborta os seus empreendedores, que não lhes dá espaço, que aborta os que desejam produzir (conhecimento, tecnologia, arte). Refiro-me à admiração dos teresinenses por muito do que vem de fora e à indiferença por quase tudo o que é produzido aqui…” (Ressuscito na cidade suicida – p. 22)

“(…) a cidade sou eu”. Por maior que seja a pressa, viver a cidade é viver a si mesmo, é encontrar um ponto de redenção e atravessar as pontes. É viver o rio límpido e a água que é viva – como batismo -, quente, fervorosa. Viver a cidade é andar pelas ruas, fotografar os encontros e vencer os perigos. Viver a cidade é descobrir, buscar, compartilhar, ensinar, aprender e comer com os olhos e com o coração os frutos que dela provêm. A cidade também é árvore, pé de caju, de manga e de mamão. É a cidade de artesãos, de poetas, de cidadãos. Viver a cidade é desembrulhar a alma e caminhar para sentir o chão dizer que é por meio da terra que somos corpo e sentimento, elevados pela luz radiante desse sol tão quente.

Todo mundo estuda a ponte / ninguém estuda o rio” (Todo mundo estuda a ponte – p. 37)

Fica o convite para uma leitura de reencontro. As minhas impressões sobre a leitura da obra é apenas uma pequena degustação perto da pluralidade, da beleza e do sabor intenso do texto de Alex. Teresina é uma cidade dividida, e isso nos mostra, como sombra ao meio dia, a não unificação do que somos com o espaço onde estamos. Viver a cidade é ressuscitar todo dia. Obrigada, Alex Sampaio, o prato está servido.

 

Marciléia Ribeiro

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