A poesia transgressora de Dário P. Castro

Dário P. Castro recentemente lançou na internet um álbum com composições de sua autoria interpretadas por artistas piauienses. A variedade de estilos do álbum “Diverso em Versos” vai do blues ao chorinho. É como se o compositor quisesse mostrar que ele não tem uma praia, mas que nada de braçadas na musicalidade. O trabalho, mesmo que diversificado, tem uma identidade forte; meia dúzia das canções foram selecionadas, finalistas ou ganhadoras de prêmios em festivais de música. Dário é talentoso com as letras. Há muita imagem em seus versos. Mas não é sobre música que vamos falar hoje. Dário nos recebeu em sua casa para falar do mais novo trabalho, o livro “Sonetos Infames”, editado pela Academia Piauiense de Letras (APL) e que será lançado neste sábado (28) na sede da academia.

>Por que “infames”? E por que a opção pelos sonetos?

– Eu faço um argumento contra a ideia de que poesia é algo belo ou romântico. Pra mim, a poesia tem que se libertar das ilusões, das vaidades e das expectativas do poeta. Eu me apaixonei pelo soneto lendo Augusto dos Anjos. O soneto é mais música do que é poema. Todas as regras de rimas, métrica e forma do soneto são voltadas para a sonoridade. Ele vem sendo menosprezado, há muito tempo, tratado como coisa velha, antiquada, não-moderna, sabe?

>Você se inspira em Augusto dos Anjos?

–  É meu poeta favorito. Ninguém consegue encaixar o Augusto dos Anjos em uma escola literária. Ninguém consegue colocar nele um rótulo. Ele não é parnasiano, ele não é simbolista. Ele não é nada que se permita restringir. É o poeta maior, na minha opinião. Tenho o mesmo pessimismo dele na minha poesia, mas eu vejo na ruína a chance de reconstrução. Augusto dos Anjos inspirou todos que vieram depois dele, mesmo aqueles que o rejeitaram.Minha poesia tem muito de simbolismo e parnasianismo, muita influência de sociologia, da filosofia de Nietzsche e do meu interesse por temas atuais como gênero, identidade, preconceito etc.

>Quais outros temas você aborda no seu livro?

– Eu uso imagens cruas e tortas, algumas viscerais ou escatológicas. Eu uso o corpo nu, os instintos, a rebeldia. Eu falo do papel da arte e do artista. Eu faço filosofia, humor, poesia e provocação com os meus sonetos. Eu me divirto.

>Qual é o seu poema preferido no livro?

– Poxa. Difícil. Tem alguns que mexem muito comigo pelo que dizem, pelo momento que eles marcaram e tal. Mas me veio à cabeça um que é especialmente transgressor de uma forma bem diferente, que é o soneto ‘Tespalúnias’. Ele é todo feito com verbos e substantivos que eu inventei. Tem a sonoridade do soneto, mas a pessoa vai ouvindo e não entende nada. Elas estranham porque não conhecem uma palavra sequer, depois questionam se não é outra língua (risos). Antes de eu terminar eu percebo a inquietação das pessoas. Ao final eu revelo que inventei as palavras e todo mundo ri. Alguns até me xingam (risos). É um poema que fala do confronto com o novo, como o estranho e como a gente lida com ele internamente. É uma proposta bem interessante. Mexe com hermenêutica.

>Como você virou poeta?

– Comecei a ler Augusto dos Anjos com 17 anos. Eu não entendia bem. Precisava de um dicionário. Llupanar, hetaíra, liliputiano… caramba, eu penei. Nessa mesma época eu ouvia muito Nelson Gonçalves e toda a turma da época de ouro da rádio. Comecei a escrever pensamentos. Aí passei para a poesia. Aí passei para o soneto, o que foi um tremendo desafio. Aí eu teimei com isso por quase 20 anos. Nesse período me voltei para a música, mas nunca abandonei o soneto.

>Como foi ter seu livro editado pela APL?

– Eu concorri a uma cadeira na academia. Perdi. E na campanha eu conheci todos os acadêmicos. Fiz um soneto em homenagens aos imortais como agradecimento. Esse poema está no livro. O presidente Nelson Nery me convidou para ingressar na Coleção Século XXI com o “Sonetos Infames” que eu apresentei na minha inscrição. Dei um pulo de alegria. Fui comemorar esse dia. Não sentei na cadeira, mas entrei para a academia em forma de poesia.

>Você usou a palavra “transgressor” ao falar do seu poema preferido. Você considera o “Sonetos Infames” uma obra de poesias transgressoras?

– Sim. Mas olha que “transgressor “, em si, não é uma palavra com juízo de valor bem definido. Por exemplo, se você vive num país onde é proibido tomar banho de mar, sorrir, ser amável com as pessoas… e você fizer essas coisas, você será um transgressor. Eu digo isso pra que a gente não pule para certas conclusões. E também para fazer o argumento que ser puritano não é o mesmo que ser puro, que ser moralista não é o mesmo que ter uma moral boa. Pra mim, tem muita coisa obscura à clara luz do dia que a gente insiste em não querer enxergar. E é nesse sentido que faço poesia transgressora, pra desnaturalizar ideias que a gente repete sem nem saber o porquê. Assim enfrento o preconceito naturalizado, o ideal romântico e seus defeitos e também o conceito de “sagrado”, no sentido de que certas ideias são intocáveis.

>CD, livro… qual é a próxima empreitada?

– Hoje eu faço um personagem no Instagram: o Rabisco. É uma forma de eu estar sempre criando. E o feedback na hora é uma coisa incrível que as redes sociais proporcionam. Diálogo, interação. Não tem nada igual. Estou escrevendo também. Uma coisa mais didática sobre um tema bastante atual. Mas vamos deixar guardadinho. Eu não tenho superstição, mas prefiro não correr o risco de prometer e não entregar (risos).

Por Dalyne Barbosa

Fotos: Benonias Cardoso

 

 

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