A Criação e o Desenvolvimento de Asleep

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Reprodução: Asleep Catarse

Revisão: Joana Tainá

 

O novo projeto da Black Hole Games está em financiamento coletivo pelo Catarse  e se chama Asleep, um jogo de terror psicológico que narra a história da piauiense Ana Lúcia através de momentos sombrios em uma dúbia realidade.

Em seu trailer, Ana Lúcia passa por dificuldades ao dormir, tendo absurdos pesadelos que, em determinado momento, se encontram com a realidade. Nisso, somos apresentados a um game que se assemelha, visualmente e mecanicamente, a títulos como Clock Tower, Lone Survivor, games que se enquadram na categoria de um “adventure” de terror, além das menções ao famigerado Silent Hill. Mas, por trás de todo esse terror psicológico e de assombrações malucas, existem desenvolvedores simpáticos. Conversei com Juliana Almeida, encarregada da produção, do roteiro e do marketing, e David Angeli, também roteirista e artista de visuais 2D e 3D, a respeito de como estão se sentindo com tudo isso e também, como estão sendo os passos dados com Asleep.

“A gente tá tendo uma visibilidade que a gente não esperava ter, essa é a verdade, repercutindo de um jeito que até assusta. Mas de modo geral, é um sonho da Black Hole Games sendo realizado.”, comenta David.

E, de fato, um dia eles eram um grupo de desenvolvedores trabalhando secretamente e, no outro, tinham matérias em grandes portais de notícia para divulgação do trabalho, algo que ajudou muito a dar um pontapé inicial na campanha. Mas, tamanho reconhecimento não veio de surpresa para o departamento de marketing.

“Do meu ponto de vista, era um pouco esperado a mídia falando sobre o game, porque eu e o Décio (Idealizador do projeto e Game Designer) temos trabalhado na proposta do jogo há muito tempo, e depois fomos agregando a equipe, mais gente entrou e foi contribuindo, fomos construindo uma proposta melhor, capaz de levar nossa arte mas capaz de ser um tanto comercial, e quando descobrimos a forma certa de comunicar uma boa ideia, a visibilidade é uma consequência. Mas de maneira geral, é uma novidade pro estúdio ter um projeto que está ganhando tanta repercussão e tem tantas chances de se tornar internacional.”, diz Juliana.

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Reprodução: Asleep Catarse

A aparição do game em inúmeros veículos de imprensa, de maneira quase que coordenada, trouxe muita visão e muitos apoios, pois, acima de tudo, a sua qualidade enxergada através da  dedicação e da finesse do trabalho deixa claro que se trata de uma carta de amor aos jogos de terror.

E por se tratar disso, de ser uma obra com tantas referências, ela também encontra espaço numa lacuna deixada no mercado de jogos de terror, que pouco aconteceu nas produções de grandes estúdios, durante a década passada. Hoje, Asleep se busca de revitalizar esse gênero tão anteriormente deixado de lado e, mais especificamente, que bebem da fonte de Silent Hill.

“Silent Hill deixou muita gente órfã. O público de Silent Hill é aquele que está sempre esperando algo a mais. Eles tiveram muita coisa e, de repente, sumiu.”, comenta David.

“A narrativa de Asleep tem muita relação com Silent Hill, pela forma de abordar os inimigos, de construir o terror, e de lidar com o plano de fundo emocional dos personagens.”, complementa Juliana.

Ainda que, abertamente, digam que Silent Hill é uma das maiores influencias, o estúdio não se reduz a isso e busca também outras expressões de terror dentro da mídia videogame. Além do já citado Clock Tower, game antigo em 2D em que as ações eram todas feitas com o apontar e clicar do mouse (por isso o nome point and click), Juliana cita também jogos como Lone Survivor.

“De Lone Survivor, o que nos inspira é a criação da atmosfera. Ainda que seja em pixel art, um estilo incrível, é um tanto limitado. No entanto, dá pra usar isso ao nosso favor e criar uma atmosfera abstrata e focada no sentimento de terror, e de desamparo do personagem.”

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Reprodução: Asleep Catarse

No desenvolvimento de um jogo que possui foco em narrativa, criar uma atmosfera abstrata e focada num sentimento de terror pode ser um trabalho complicado e que exige uma responsabilidade especial, e com isso demandam a presença de avisos de gatilho ou “trigger warning”, algo que vem se normatizando nas produções contemporâneas para tornar a apreciação da obra mais saudável pra quem tem contato.

“Você não faz ideia o quanto que o Décio teve que falar comigo pra me convencer a participar do projeto, por causa dessas temáticas. Ele teve que falar comigo por uns dois ou três dias pra ele me convencer que o trabalho com essas coisas ia ser legal. Que eu não ia fazer algo errado e ser cancelado na internet depois disso.”, confessa David. “…Ter jogado Life is Strange um mês antes de entrar pra Asleep me fez refletir muito sobre, antes de dizer ‘Okay, vou entrar’, por que eu sei o peso que jogos como Life is Strange podem ter para uma pessoa.”

A pessoalidade e o respeito que existe entre os próprios desenvolvedores reforçam que o espectador estará seguro em relação ao contato com temas pesados. Um dos grandes pontos chaves é o de que Asleep não deve usar temas tabus como muleta de qualidade, e sim como um espaço para uma conversa transmidiática entre quem desenvolve o jogo e quem joga. Uma conversa que, de acordo com a Juliana, está sendo bem articulada para que seja saudável.

“Com certeza é uma temática muito difícil de ser trabalhada, nós sempre devemos ter sabedoria pra escolher os elementos certos que vamos utilizar, tem todo um plano de fundo por trás do que vai pro jogo. E isso envolve todo uma coordenação de narrativa, trilha sonora, game design e todas as partes tem que trabalhar em conjunto para passar apenas o necessário e criar a atmosfera e a mensagem que queremos transmitir ao jogador”, explica Juliana que, em seguida, faz um adendo, “Muito da narrativa ainda vai ser decidida pois, além dela ser Transmídia, ela vai ser construída com a ajuda do jogador e do público porque, veja só, no Catarse a gente tem as recompensas para apoiadores e o jogador vai ter a possibilidade de ajudar a construir essa narrativa colocando os seus pesadelos dentro do jogo.”

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Reprodução: Asleep Catarse

E, além disso, outro aspecto é levado em consideração na sua construção: Asleep também é um jogo de decisões, e é importante entender como elas são organizadas dentro do design do game.

“Existe uma mensagem que queremos passar de acordo com as escolhas, porque Asleep é um jogo sobre despertar: despertar a luz para guiar seus próprios passos ou despertar a escuridão, de acordo com as escolhas que você fizer. Então serão escolhas mais simplificadas, e queremos fazer 3 finais, talvez 5.”, esclarece Juliana.

É visível que o projeto está em boas mãos, avaliando as experiências dos sabatinados: Juliana há anos debate a narrativa em seu desenvolvimento, tem participações em eventos como Woman Game Jam, demonstra usar em suas referências obras de artistas como David Lynch e Sylvia Plath, e David também participou de várias game jams, sendo finalista da Game Jam Plus 2019 e exerce trabalho numa startup de games educativos e infantis.  Então, não é como se Ana Lúcia surgisse pelo simples acaso ou sorte, todo o seu pano de fundo possui um sólido desenvolvimento, carregado não só pelos dois entrevistados, mas também por um grupo maior, que é a Black Hole Games.

E, diferente de um buraco negro no espaço, esse que se forma no Piauí não nasceu de estrelas mortas. Ao contrário, é um buraco negro formado por um conjunto de estrelas e talentos que usa tudo de si para desenvolver algo no espaço que é somente seu, algo único. E, como toda oportunidade única na vida, não se pode deixar essa passar. Não podemos deixar Asleep morrer. Apoie no Catarse!

 

 

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