Árvores cortadas e dedos de prosa

Foto de trocos de árvores cortados e uma motosserra.

 

Quando passei a morar na Rua Cel. Costa Araújo, logo descobri que Volnim dos Santos habitava a mesma via, a dez quadras da minha casa, já perto da Avenida Kennedy. Vivia com o pai, Pedim do Fomento, e a mãe, Dona Tidinha, numa casa cheia de plantas, para as quais dedica cuidado e carinho até hoje.

Seu Pedim, ou Dona Tidinha, ou os dois juntos, criaram o Ponto Certo em um cômodo lateral da casa, que dá para a Rua Laurindo de Castro. Era um misto de mercearia e bar, para onde acorria gente de Oeiras e de outros lugares, atraídos pela cerveja, conversas e cantorias.

Quando morou em Oeiras, Seu Pedim tomava de conta do bar do Oeiras Clube. Na certa, quis reviver um pouco aqueles tempos e trabalhar para melhorar a renda da casa. Acontece que Seu Pedim partiu e Volnim parou de beber, avisado pelo médico de que a Lira poderia devorar seu fígado. Resultado: praticamente, não há mais Ponto Certo, nem cervejas, nem piadas, nem violão.

Restam lugares de sentar, que continuam ali, ensombrados pelos pés de castanhola, ponto certo para se ficar nos fins de tarde, proseando, mesmo sem o alarido de antes, recebendo o vento às vezes fresco que sopra quase por milagre. Até isso acabou ou está em vias de se acabar. Dona Tidinha me falou que, após a prefeitura ter recentemente colocado asfalto naquela e em muitas outras ruas do Horto Florestal, quente agora é o vento dos fins de tarde. Não permite mais um dedo de prosa.

As ruas de calçamento receberam asfalto, colocado com uma rapidez impressionante. Se a prefeitura possuísse a mesma eficiência em outros setores administrativos, seria um assombro, maior do que já é. Planta-se asfalto com tanta desenvoltura, mas não se plantam árvores, estas, sim, bem-vindas para mitigar o calor de Teresina. Todo mundo sabe que árvores são importantes para a cidade antes chamada verde, mas fica por isso mesmo. Tipo do saber que não se transforma em ações corretas, salvo raras exceções, nunca badaladas.

Outro dia, tive a prova de como o calor fica armazenado no asfalto, calçadas, paredes, muros e tudo o mais que recebe a irradiação direta da luz solar. Eu caminhava pela Senador Joaquim Pires, por uma quadra relativamente bem arborizada, próxima a um pequeno comércio onde se vendem castanhas, doces, cajuína etc. Há ali uma bonita casa de muro coberto de hera, com árvores que certamente o dono plantou por sua conta na calçada. Quando saí daquela via e entrei na Lemos Cunha, senti o impacto da onda de calor que emanava não só do sol, mas também da calçada, das paredes e do asfalto. Era como se estivesse dentro de um forno. Saí dali imediatamente.

Minha intenção era ir pela Lemos Cunha até a Universidade Federal, onde há um resto de mata que só está de pé por milagre. Indo por aquela rua, passo na frente na casa de Cineas Santos, cheia de plantas, que ele e Dona Áurea fizeram questão de semear desde que chegaram ali, vindos, se não me engano, da Rua Simplício Mendes.

Na Lemos Cunha, observei algo comum em muitas ruas: do lado da via onde não há postes nem fiação elétrica, é possível plantar árvores nas calçadas. Isso atenuaria o impacto do calor que vem junto com a luz. Os raios quentes e perfurantes não cairiam de chapa nas calçadas, muros e em parte do asfalto.

Não é para me vangloriar não, mas quando vim morar na Costa Araújo, numa casa de esquina, ao perceber que não havia fios elétricos do meu lado, plantei 14 árvores na calçada, que ainda hoje estão vivas para contar a história, exceto um ipê e um caneleiro, derrubados pela tempestade. Quem me ajudou foi o agrônomo Raimundo Machado, que partiu há poucos anos para a cidade celeste.

Não só a falta de árvores transforma Teresina num inferno.

 

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