Sérgia Alves é escritora. Natural de Pedro II, terra das opalas e dos encantamentos, cujas histórias, vivências, memórias e as vozes de tantas mulheres em seus caminhos acompanham suas palavras que afirmam constantemente: é escritora. Mestra em Letras/Literatura, Memória e Cultura e escritora. Mãe de duas meninas e escritora. Na primeira vez, nós entendemos, mas quando se é mulher, é preciso afirmar umas quantas vezes mais para que se faça, de fato, entender amplamente que estamos também nesse lugar, embora a duras penas e com uma certa humildade histórica de perceber que nos fazer escritora é um processo e não meramente um título que nos cai bem. Por isso, escritora.

“Há um incômodo em ocupar este lugar. Não sou autora consagrada pelo público ou pelos pares, não recebi prêmios importantes, não sou best-seller. Ousei publicar e isso é tudo. Por outro lado, talvez esteja nesse incômodo a necessidade de tomar posse do termo e dizer: ESCREVO. Afinal, ser escritora é dedicar-se a escrever. Faz quinze anos que levanto todos os dias pensando num verso, numa linha, ou num parágrafo que ficou incompleto no dia anterior. Portanto, sou escritora. Sem nenhuma necessidade de adjetivação” (Sérgia Alves, Como e porque me fiz escritora; Lamparina Editora, Teresina, 2024. p.14)
Sérgia já coleciona mais de vinte participações em antologias e coletâneas de prosas e poesias pelo Brasil e pelo mundo, como exemplos: “Outono Literário Mulherio das Letras Europa”, pela editora FAFALAG, de Munique (2018), “Conexões Atlânticas, Antologia II” pela editora In-Finita, de Lisboa (2018), “O rio, coletânea de poemas sobre o Parnaíba”, FUNDAPI (2022) e “Coven, contos de terror”, organização de Luciana Lhullier, pela editora Desdêmona, de Passo Fundo (2020). Este último, destaca-se pela exploração de um território tão amplamente negado às mulheres quanto é o da literatura de terror e horror, o livro reúne 14 escritoras, dentre elas Sérgia com o título O Fecho Lilás, apresentando uma narrativa que aborda as violências físicas e psicológicas contra as mulheres em um tom de suspense e dúvida.
Atualmente, como membra da Academia Piauiense de Cultura, soma ainda suas colaborações com a revista Peleja, que teve seu primeiro volume lançado em 20 de fevereiro deste ano, integrando a comissão editorial, e com a publicação de um texto voltado para a atuação das mulheres na literatura piauiense.
Além das coletâneas e antologias, Sérgia já publicou quatro livros solos, são eles: “Quatro Contos”, editora Quimera (Teresina), de 2018; “Adejo [poemas] – Coleção Um Mulherio das Letras”, editora Venas Abiertas (Belo Horizonte), de 2019; o seu romance de estreia e premiado pelo Concurso Literário FELIPI 2024 “Vale do Sossego”, editora Reformatório (São Paulo), de 2022; e “Como e por que me fiz escritora”, volume quatro da coleção de mesmo nome, Lamparina Editora (Teresina), de 2024. Se firmando como uma escritora múltipla, a escrita de Sérgia Alves se caracteriza pela sensibilidade na abordagem de temas como a morte, a vivência feminina, a memória e a relação entre o eu e o que externo a ele lhe afeta, através de uma linguagem simples, poética e, sobretudo, madura.
Muitos a conhecem pela sua antiga assinatura como Sérgia A., agora Sérgia Alves em virtude do lançamento de seu romance. Confira o depoimento de Sérgia sobre a origem do “Sérgia A.” e a decisão da alteração para o uso do sobrenome:
Em conversa com a Geleia Total, em 27 de fevereiro de 2025, de sorriso largo e contagiante, Sérgia Alves nos conta um pouco mais sobre suas trajetórias, influências, perspectivas frente ao cenário literário piauiense e projetos futuros.
Geleia Total: Como foi que surgiu sua relação com a escrita, sobretudo com a escrita literária?
Sérgia Alves: Bem, essa foi uma história bem antiga e bem longa… e, na verdade, assim, eu sempre fui aquela pessoa que sempre gostou de ler, desde pequenininha, aprendi a ler cedo e lia muito e escrevia algumas bobagens, tipo diário, essas coisas…, mas nunca entendia isso como uma possibilidade de vir a ser escritora ou de ter isso como profissão. Isso veio bem depois, já depois de quarenta anos, que eu senti vontade de voltar a estudar…as famosas crises existenciais (risos)… é que eu fui pensar assim: “O que é que eu vou estudar agora?”. Eu tinha feito um curso lá no início, quando eu tinha 18 anos de idade, que era Engenharia Civil, e eu não tinha me encontrado muito no curso, tanto é que eu nem terminei, fiz boa parte do curso, mais da metade, mas não terminei.
E aí, fui trabalhar num banco e lá pelos quarenta eu fiquei pensando “Eu quero estudar. Eu gosto de estudar”. Fiz vestibular pra Letras e adorei o curso, fiz especialização em Literatura, entrei no mestrado em Literatura, aí assim, já nesse tempo eu comecei a pensar “O que eu quero mesmo é escrever”. Quando eu estava no mestrado foi que eu me senti um pouco mais segura, porque alguns textos acadêmicos mesmo foram elogiados, é aquela história, a gente espera uma professora que converse ali com a gente… a validação. E foi aí que eu tive coragem, depois da publicação de texto acadêmico, que eu comecei a escrever, eu comecei num blog. Eu sou da geração dos blogs, viu, não sou tão antiga não (risos). Foi então que, dos blogs, um colega de mestrado, o Adriano Lobão – editor da revista Desenredos – pegou uns textos meus e publicou, e daí começou…foi quando eu pensei que era possível, continuei escrevendo e por aí foi até sair os primeiros livros mesmo meus.

Geleia Total: Quais foram suas principais referências para o desenvolvimento da sua escrita?
Sérgia Alves: Sempre que alguém me pergunta isso, digo que é difícil pra mim, porque como eu sempre fui uma leitora que gostava de ler muita coisa, sempre gostei muito de ler poesia, até acho que sou mais leitora de poesia do que poeta. Mas também gostava muito de romances, lia muito romance desde cedo, e como meu curso era Letras-Inglês, eu terminei estudando muita literatura de língua inglesa, lendo Shakespeare, Faulkner, Virginia Woolf… e, assim, eu acho que de alguma forma esses autores terminam influenciando o que a gente escreve.
Os brasileiros também, lógico, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado… teve uma época que eu era muito fã da Adélia Prado, escrevi textos sobre ela, artigos científicos, enfim. Mas eu sempre gostei muito de diversificar, gostava de Cinema também, gostava de ver as adaptações, mas procurando entender o que tinha de novo, como a literatura era traduzida pra uma nova linguagem, tanto é que minha dissertação de mestrado foi sobre isso. E… tem muita gente que eu li e que ainda leio dos clássicos, porque eu acho que a gente tem que ler os clássicos, Italo Calvino, Guimarães Rosa… Hoje, eu estou lendo muito contemporâneo também, eu sempre faço esse balanço, esse equilíbrio.
Geleia Total: Você é mestra em Literatura, Memória e Cultura, como então você percebe a influência da sua formação nas suas produções literárias?
Sérgia Alves: Na questão da memória, eu sempre gostei muito de ler História e de acompanhar o que está acontecendo no mundo. Acho que minha escrita não se dissocia do que está acontecendo no mundo, eu penso que eu sou aquela escritora que gosta mais de olhar a janela do que olhar pra dentro de si. Não que eu ache errado, cada um tem seu estilo e escreve como quer. Claro que quando eu olho pra paisagem, pro que tá acontecendo no mundo, e decido escrever sobre algo é porque fui afetada por esse olhar, então tem alguma coisa aqui dentro que conversa com o que tá lá fora.
Geleia Total: O seu romance de estreia foi “Vale do Sossego” e nele podemos perceber justamente no seu trabalho de escrita essa relação entre cultura e memória. Pode então nos falar um pouco mais sobre o livro, seu processo de construção da narrativa, inclusive ao situá-la no espaço da zona rural piauiense?
Sérgia Alves: Quando eu comecei a escrever, eu achava que eu tinha que escrever um romance, achava que eu não me consideraria escritora se eu não fizesse um romance, então eu comecei já a pensar, acho que em 2017, por aí… eu já estava com muitas ideias anotadas e aí, assim, eu queria isso, que fosse algo que se situasse num espaço geográfico que eu conhecesse muito. E por isso que eu escolhi essa região do Piauí que é fronteira com o Ceará, porque eu sou de Pedro II, bem ali na fronteira com a Serra da Ibiapaba, e era uma região que sempre exerceu muito fascínio em mim, eu não sei o que é que acontecia, que quando eu viajava com minhas filhas, quando eram crianças, para aquela região, vinham muitas memórias, muitas coisas assim dos meus avós, que não eram da cidade de Pedro II, mas de comunidades mais próximas da fronteira também, e alguma coisa ficava aqui dentro querendo sair.
Eu comecei a lembrar de histórias que eu ouvia quando era criança e fazia anotações, é lógico que precisei fazer uma ligeira pesquisa, porque há no romance a alternância de tempos, então eu tinha que voltar um pouco e ler sobre a economia da época, sobre os costumes. Não é um romance histórico, mas era preciso ter verossimilhança. Então, levou um tempo… fiquei lendo várias coisas sobre a região, conversei com algumas pessoas, ouvia e ficava sempre tentando me lembrar das histórias que eu ouvia quando criança, sabe, até os sotaques que com o tempo você vai perdendo (risos).
Eu lembro, porque quando eu era criança eu ouvia muitas histórias, eu era aquela menina calada que as pessoas nem percebiam que eu estava ali sentada, os adultos conversando e eu ouvindo, e aquilo foi ficando. É um romance que eu considero sobre tempo e memória, e todo mundo que leu percebeu isso logicamente (risos).
Quando eu comecei a escrever “Vale do Sossego”, eu tinha também uma ideia fixa de que eu deveria fugir da estética da seca, pra não repetir livros que são ambientados no sertão do Nordeste, tipo “O Quinze”, ou o próprio “Vidas Secas”. Eu queria fugir um pouco disso e mostrar uma outra realidade que também existe, uma outra geografia, sabe, um outro clima… e também um outro tipo de miséria, que não era só a fome e, ao mesmo tempo, essa discrepância entre aqueles que têm muito e os que não têm nada, essa desigualdade imensa, que talvez seja o que gera toda essa miséria que a gente acompanha e que vem de séculos e parece que não se resolve nunca.
Então, assim, eu lembro que eu tinha isso bem claro na minha cabeça: eu vou criar uma história que seja um tanto diferente disso. Porque existe também essa outra realidade, é preciso falar desse outro tipo de miséria que é mais ligado à miséria humana do que só a da fome.

Geleia Total: O que também é interessante em “Vale do Sossego” é esse movimento narrativo que perpassa o tempo e que, no caso, é conduzido pela perspectiva das personagens femininas. Como você avalia a importância dessas construções de narrativas que colocam a mulher como a figura central, ainda mais considerando o cenário piauiense, em que tanto as nossas representações, como os autores que ganham espaço de destaque são majoritariamente homens?
Sérgia Alves: Sim, eu considero que é uma necessidade trazer outras visões de mundo. É só olhar pro canône “Quem foi que escreveu romances no Piauí?”, era sempre a visão dos homens. E aí, esse foi um outro problema que eu tive, porque eu comecei a escrever em terceira pessoa, aquela história do narrador onisciente que está de fora, vendo tudo, mas não dava conta, sabe… não dava, chegava uma hora que eu dizia “Esta história está muito ruim, não pode ser desse jeito”. Eu mudei as versões várias vezes, até encontrar essas narradoras, porque é mais de uma voz, não é uma voz única, essa foi uma solução que eu encontrei, pra dar conta do movimento das personagens no tempo e no espaço, e, também, contar a partir desse ponto de vista das mulheres, porque elas exigiam isso. Além de ser uma necessidade, pra mim era muito mais fácil, as frases fluíam melhor se eu partisse desse ponto de vista feminino. E foi assim que nas últimas versões, eu disse “Acho que agora eu encontrei”. Mas, tanto é que eu tive que usar vozes diferentes… e eu gosto disso, sabe? Acho que eu fui cercada também por muitas mulheres que eram muito fortes e essas histórias todas foram ficando, a forma delas de ver o mundo iam ficando e aí precisava ser dito. Mulheres fortes e mulheres que sofreram muito também.
Geleia Total: Aproveitando essa discussão, Sérgia, como você se enxerga no cenário literário piauiense e como você percebe o movimento das nossas escritoras? Uma vez que esse apagamento e invisibilização das produções feitas por mulheres, como falamos, é histórico.
Sérgia Alves: Durante muito tempo, eu nem conseguia dizer pra ninguém que eu era escritora, até hoje, quando alguém me pergunta o que eu faço, nunca digo que sou escritora, não sei… isso vem muito em função dessa nossa história. Se a gente pegar os livros de literatura piauiense, podemos contar nos dedos os nomes que aparecem. Existe o movimento que começou ao mesmo tempo, dentro das universidades, de resgate dos escritos das mulheres, como a Luiza Amélia de Queiroz, como a Amélia Beviláqua, como a Alvina Gameiro. Na época do meu mestrado, eu tive uma colega que pesquisou a Alvina Gameiro e foi a primeira vez que eu ouvi falar de Alvina Gameiro, sabe… eu já tava no mestrado, pra você ter uma ideia…
E isso a gente vai percebendo e vai pensando assim “Que lugar que eu tenho? Que lugar é esse que eu preciso ocupar? E será se eu tenho coragem de fazer isso?”. Mas, o que eu vejo assim de muito bom, nesses últimos anos, é que eu vejo esse movimento muito crescente, aquele que começou dentro da universidade, e o que surgiu dos grupos de mulheres que começaram a tomar as rédeas, fazendo fanzines, elas próprias cuidando das produções.
Apareceu o Leia Mulheres, que eu acho que foi uma revolução, não só aqui, mas no Brasil inteiro e até mesmo lá fora. E também o Mulherio das Letras, que eu participei muito no começo, me deu muita força nas publicações em coletâneas, eu acho que são movimentos que trouxeram para dentro da literatura a escrita feminina… na verdade, eu nem gosto muito desse termo, a escrita produzida por mulheres, eu prefiro. E a gente já vê resultados, quando você olha pras premiações hoje, você vê a quantidade de mulheres sendo premiadas, isso é muito interessante, você olha pras mesas dos eventos hoje e percebe que começou a mudar. Há algum tempo atrás eram só homens… às vezes uma mulher, duas mulheres, mas agora não. E se eu tiver feito parte desse movimento, mesmo que seja bem pequenininha, mesmo que seja de forma bem insignificante, eu já fico muito feliz, já estou me dando por satisfeita, por ter resolvido escrever.
Geleia Total: Sérgia, você costuma participar de grupos de leitura e discussão de livros, além dos eventos literários que acontecem no Piauí. Qual a sua percepção em relação a importância desses espaços, tanto para divulgação, quanto mesmo para partilhar e ter esse retorno dos leitores?
Sérgia Alves: Olha, eu acho esse movimento de grupos ou clubes de leitura, como quiserem chamar, extremamente interessante, porque é um momento que você se junta com outras pessoas pra discutir um livro sem necessidade de teorizar sobre aquilo, as pessoas leem, vão lá e dizem o que pensaram da obra e isso é muito bom. E eu penso também que isso fortalece muito, principalmente nos grupos de leitura de mulheres, que não é só o Leia Mulheres, mas também tem outros já, eu acho que fortalece muito, as pessoas se sentem mais à vontade, tanto é que aqui acho que surgiram muitas pessoas começando a escrever depois de participar dos grupos.
E pra gente que escreve é muito bom, sabe, porque você sempre tem medo quando o livro sai, você não tem mais controle, saiu da sua mão… pronto! E aí o encontro com o leitor é a oportunidade de ter um retorno. Algo que é difícil ter aqui no Piauí, não sai resenha dos nossos livros nos jornais, ninguém comenta… Quem publica por grandes editoras do eixo Rio/São Paulo, o livro mal saiu e já tem resenha em todos os suplementos literários importantes, porque existe esse jogo de poder. Aqui não… você publica o livro e daí pronto… se você não tiver o retorno desses grupos, de quem leu, dessa coisa miúda mesmo do boca a boca, pronto, parece que seu livro não serviu pra nada, ficou ali sozinho na estante…

Geleia Total: Além de “Vale do Sossego” ter sido premiado na FELIPI (Feira de Literatura Piauiense) em 2024, agora em 2025 você será a escritora homenageada da Feira, como tem sido para você vivenciar esse reconhecimento?
Sérgia Alves: É engraçado isso, porque quando saiu a história da FELIPI…do concurso, quando eu vi que cabia no regulamento, pelo ano de publicação, eu disse “Ah vou entrar…”, mas eu não tava com muita esperança de que saísse alguma coisa… então pra mim já foi uma alegria muito grande quando eu soube que “Vale do Sossego” tinha ganhado primeiro lugar, e fiquei mais feliz ainda porque quem fez a avaliação foi o Marcelino Freire, que é um escritor que eu admiro muito…
É aquela história, a gente não escreve esperando reconhecimento, eu pelo menos não escrevo esperando reconhecimento, mas, quando vem é bom né… não tem como seu ego não ficar satisfeito com aquilo. E aí, quando de repente o Wellington Soares, curador da Feira, liga pra mim e diz “Sérgia, seu nome tá aqui cotadíssimo pra ser a homenageada”, a primeira coisa que eu perguntei assim foi “Qual é o papel? O que é que significa isso?” (risos), aí ele disse “Não… se preocupe não, você vai ajudar a gente a construir a Feira”, aí eu “Ah, então tá bom”. Porque assim, eu não tenho nenhuma pretensão dessa história de receber homenagem, de ser imortal… não tenho nenhuma pretensão disso, acho isso a maior bobagem, mas se é pra ajudar a construir uma feira de literatura piauiense, aí sim eu acho que vale a pena, sabe… qualquer sacrifício.
Geleia Total: Você recentemente também integrou a Academia Piauiense de Cultura, e participou da comissão editorial da primeira edição da revista Peleja, pode nos contar um pouco mais sobre essa nova experiência, suas expectativas e contribuições?
Sérgia Alves: Pois é, participar da Academia pra mim também foi uma surpresa quando eu recebi o convite da Academia Piauiense de Cultura que estava sendo criada em 2022, mas eu fiquei feliz e topei participar, porque a APC tem um propósito um pouco diferente das academias de letras, ela se propõe realmente a promover a cultura, sabe, a discutir, a colocar em debate as várias vertentes das manifestações artísticas e aí quando eu entendi isso, esse objetivo da Academia, eu pensei que vale a pena participar.
Quando o atual presidente, que é o Manuel Domingos, que queria muito fazer uma revista, me ligou e disse “Eu quero muito lhe botar na comissão editorial”, pra mim foi um susto também, porque eu não tenho nenhuma experiência em edição, eu não sou formada em jornalismo… mas ele disse assim “Você sabe ler e nós vamos ler os textos”, daí eu disse “Então tá, pra ler eu acho que eu sou boa” (risos). E foi uma boa experiência trabalhar em uma equipe com pessoas tão generosas.
Nós fizemos, então, a revista. O primeiro número, destacou dois pontos principais: a música e o patrimônio histórico-cultural. Tem matérias sobre cidades que já tem prédios tombados como Parnaíba, tem a participação da Diva Figueiredo que foi superintendente do IPHAN aqui no Piauí e que acompanhou todo o processo de tombamento daqueles prédios históricos de Parnaíba. Fala também de Oeiras, de Floriano… e outras artes também, outras pessoas além dos acadêmicos escreveram… eu chamei a Dani Marques pra falar do Leia Mulheres, porque eu acho que é uma revolução como eu já disse antes, e tem também um texto meu, que também é sobre escrita de mulheres. Eu acho que é mais uma oportunidade de levar o que a gente pensa, tanto sobre literatura, quanto sobre a participação das mulheres nesse meio literário, que eu acho importantíssimo e o que eu puder fazer, eu vou continuar fazendo.
Geleia Total: A sua participação é importante também pra gente compreender que a literatura é um produto cultural e muitas vezes parece que aqui temos dificuldade de termos essa percepção, essa conexão com as nossas manifestações artístico-culturais. Poderia comentar sobre essa questão?
Sérgia Alves: É isso, quando eu digo que a Academia não queria ser uma academia de letras, pra poder se tornar mais abrangente, mas também incluindo a literatura como parte, né, é porque acho importante essa conexão entre todas as artes e a cultura popular. A FELIPI também tem um papel importante na história desse resgate da nossa cultura, sabe… quando se faz uma feira só contendo como objeto a literatura piauiense, você tá obrigando as pessoas a olharem… a gente vê aquela quantidade de crianças das escolas que vêm e compram livros, eles estão lendo, eles vão ler alguma produção feita aqui. Você vê assim, no Rio Grande do Sul por exemplo, as pessoas lá estão nas escolas lendo os escritores do Rio Grande do Sul direto, e por quê que aqui não pode ser assim também? Pra não ficar só nos escritores do passado e começar a introduzir também a literatura contemporânea, eu acho isso importante. Aí eu espero que a Academia Piauiense de Cultura consiga despertar para isso como a Feira também.

Geleia Total: Além de romancista, você também já publicou um livro de contos, o Quatro Contos, e de poemas, o Adejo, hoje, como você avalia o seu movimento na escrita e seus planos futuros?
Sérgia Alves: Como eu disse, já no início, eu sempre fui leitora de poesia, desde criança eu gostava, ainda lendo só o que aparecia nos livros didáticos mesmo, Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade… mas alguma coisa me chamava, e eu sempre gostei de ler isso… mas, também fui leitora de romance, e quando eu comecei a escrever, eu gostava de escrever texto, eu sempre gostei de fazer anotações curtas… que poderiam virar poemas… pra mim é isso, a poesia é mais esse espanto da gente com relação às coisas que acontecem em volta que lhe tocam… aí você escreve alguma coisa… um lampejo!
Mas eu não achava que aquilo tinha muito valor, meus poemas eram mais acanhados do que a escrita em prosa, por isso meu primeiro livro foi de contos. Eu escrevi o Quatro Contos, que muita gente diz que é um romance, que não é um livro de contos, mas eu digo que não vou entrar nessa briga não (risos). Na verdade, na época, meu pensamento era o de pegar o mesmo tema e botar sob quatro pontos de vista diferentes, aí eu pensei “Vou escrever quatro contos, tendo mais ou menos a mesma história de fundo, mas em cada um o narrador é diferente e vai contar a história sob o ponto de vista dele”.
Depois eu escrevi o romance, que me levou muito tempo e eu gosto dessa escrita longa, talvez por isso que eu tenha mais dificuldade de fazer poemas do que texto longo em prosa, porque pra fazer poema eu tenho que ficar cortando e cortando pra ele poder ficar mais sintético, mas algumas ideias nascem para serem poemas, não se encaixam em textos mais longos. Aí fui acumulando na gaveta por muito tempo. O livro “Adejo” foi uma oportunidade que surgiu no grupo Mulherio das Letras. Eu não estava ainda pensando em publicar um livro de poesias, porém a oportunidade surgiu e era uma coleção com vinte mulheres… eu enviei meus originais e deu certo, mas eu só juntei, assim, os textos que eu tinha e, como a proposta era um livro de bolso, eu juntei os que eram mais curtos. Ainda não teve um pensar sobre a poesia, escrever um livro… então o Adejo foi muito nisso, foi muito mais uma oportunidade, mas eu gosto de algumas coisas que tão lá, eu gosto, eu acho que terminou saindo legal. (risos)
E agora voltei novamente para os poemas. Depois do romance, voltei a escrever poemas e acho que eu tava cansada de tanto escrever textos longos (risos). Tenho um que já está no forno que também vai fazer parte de uma coleção. Desde a publicação de Vale do Sossego, que foi em 2022, pra cá, eu consegui escrever algumas coisas que eu tava achando que seria romance, mas até agora eu não consegui gostar do que eu escrevi, já joguei coisa fora… duas versões de duas coisas diferentes, não achei legal (risos), mas eu ainda quero escrever outro, eu estou com umas ideias e vamos ver se ainda vai sair isso, é um processo…
Eu participei também de uma coletânea de minicontos, que também é um exercício legal, porque te obriga a cortar muita coisa, porque o miniconto exige concisão e eu gostei muito de fazer esse exercício. Também tinha um projeto individual de minicontos com ilustrações, mas ficou meio parado. Acho que cada livro tem seu tempo e seu caminho. Mas eu espero que ainda saia pelo menos um romance e um livro de contos.
Geleia Total: Por fim, qual recado você deixaria, Sérgia, com base na sua trajetória, para as mulheres que escrevem ou estão nesse caminho de se entender como escritoras.
Sérgia Alves: Penso que não sou um bom exemplo (risos). Eu acho que a primeira coisa é você se jogar mesmo e ter coragem, sabe, e escrever. Eu sinto que eu perdi muito tempo… foi um tempo necessário pra que eu estudasse e aprendesse, mas eu levei muito tempo, eu fiquei muito tempo adiando e adiando e adiando, talvez por medo, por insegurança, essas coisas, então eu acho que quem tem essa necessidade de escrever precisa enfrentar seus medos e as dificuldades serão superadas. Coragem… e vai em frente.
Eu admiro muito quem consegue fazer isso, e eu vejo muito isso nas escritoras jovens, e eu fico muito contente. Vejo aqui no Piauí muita gente boa, muita gente com a escrita bem forte, bem consistente, eu tenho a sorte de conviver com o povo da minha geração, e, talvez por ter começado a ser escritora mais tarde, com muita gente com idade de ser minha filha ou até neta. Gente que eu convivo, que eu leio… eu fico muito feliz com o que eu leio, sabe? O que eu posso dizer é isso: Continue, continue, continue!
Eis Sérgia Alves, escritora.
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Descrição: escritora
Escrito por: Elara Moretz-Sohn
Revisado por: Paulo Narley
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Contatos
https://www.instagram.com/palavrasde.lirantes/
E-mail: sergiaalves@hotmail.com
Fotos
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Bibliografia
1. Quatro Contos – Editora Quimera (Teresina), 2018;
2. Adejo [poemas] – Coleção Um Mulherio das Letras – Editora Venas Abiertas (Belo Horizonte), 2019;
3. Vale do Sossego – Editora Reformatório (São Paulo), 2022. Primeiro lugar no Concurso Literário FELIPI 2024 – categoria Romance.
4. Coleção Como e por que me fiz escritor, volume quatro – Lamparina Editora (Teresina), 2024.
Outras fontes:
https://revistarevestres.com.br/blog/sergiaa/
Caso queria sugerir alguma edição ou correção, envie e-mail para geleiatotal@gmail.com.
Excelente, entrevista! Parabéns ao Geleia e à colega escritora Sérgia Alves.