Memórias de Bárbara de Alencar

Era 1832 em um dos seus longos dias, desses que pareciam não ter fim, naquelas terras do Piauí. Bárbara deixou de se preocupar com a perseguição política que sempre sofreu – e que ainda a estaria caçando naquele dia – para olhar para dentro de si. Talvez fosse a última vez que poderia fazer aquilo. Portanto, com a respiração difícil, embalada na sua rede, pediu aos amigos – que sempre a acompanhavam e com ela lutavam – para ficar um pouco só.

Bárbara de Alencar, por Evilanne Brandão.jpeg

Sozinha, a primeira imagem que veio à mente não foi bem uma memória exata, mas uma história contada por sua mãe…

Foi numa manhã de 11 de fevereiro de 1760, no Sítio Caiçara, em Pernambuco, que ela rompeu os limites entre o mundo uterino de sua mãe e um mundo desconhecido – do qual muitos homens diziam ser donos. Antes de acalmarem seu choro, olharam por entre suas pequeninas pernas: era uma menina. Tudo bem chorar. Era menina – a mensagem ecoou pela casa. Teria motivos para choro no decorrer da vida. Era menina. E deram a ela o nome Bárbara. Era uma menina Bárbara. Deixa chorar. Seria uma mulher bárbara.

Outra memória tomou seu íntimo. De 1817. A Revolução Republicana, anunciada em março no Recife, era notícia trazida pelos seus filhos às terras cearenses, nos finais de abril, onde morava. Sentiu o orgulho pelos filhos revolucionários como se vivesse aquele momento pela primeira vez. Quatro filhos ela colocou no mundo e vê-los tão aguerridos, a defender a separação do Brasil de Portugal, era algo que a enchia de orgulho. Sabia que a força que eles tinham ela que ensinou e nutriu bem. E, juntos, naquele ano de 1817, declararam no Crato a primeira vila republicana no Ceará. Independência, foi o grito que Bárbara entoou!

Mas toda ousadia e força sofreram graves consequências. Seus filhos e familiares acabaram presos pelos comandos portugueses. Bárbara acabou fugindo. Porém, não por muito tempo. Logo acabou capturada e as memórias do cárcere que viveu eram as mais sofridas de relembrar. Aos 57 anos, Bárbara, matriarca da família Alencar, acabou presa política e foi mandada para Fortaleza, daí para Recife e depois para Salvador. Em todas essas cidades, prisioneira, viveu por três anos.

Não foi, porém, todos os anos insalubres que viveu encarcerada capazes de acabar com a força que havia dentro de si e que gritava por independência. Em 1820, aos 60 anos, Bárbara volta a liberdade, após conseguir anistia real. Mas, ao contrário do que os portugueses pensavam ao dar essa anistia, ela voltou a liderar e agitar os revolucionários em prol da República.

Acabou sendo uma dentre os líderes da Confederação do Equador, em 1824. Dessa vez, todo o Nordeste estava unido em prol daquele sonho que começou na Revolução Pernambucana em 1817: o sonho republicano. A independência já havia sido declarada, porém queriam mais direitos à liberdade, igualdade e fraternidade nas terras próximas à Linha do Equador. Bem mais do que aquele governo centralizador instituído pelo tal D. Pedro I no Rio de Janeiro estava oferecendo.

E dessa vez, Bárbara não se deixou capturar. Liderou, inspirou e motivou todas as pessoas por onde passava. Viveu por tantos anos mais sempre com perseguição política das forças do Império do Brasil.

Então, depois de relembrar essas intensas memórias dos anos de sua vida, Bárbara sentia a respiração falhar e o seu fim se aproximar. Disseram no seu nascimento que choraria por ser mulher. Sorriu. Era mulher sim e viveu envolta por um patriarcado hostil. Mas nada disso foi empecilho para a força que nasceu junto consigo. E ninguém foi capaz de a impedir de lutar pelo o que acreditava. E, olhando para dentro de si, honrou a força de mulher que a fez viver e superar tanta coisa. A inspirar e a revolucionar.

Queria poder viver mais, pois sabia que a luta por “liberdade, igualdade e fraternidade” naquelas terras brasileiras ainda seria longa… Mas sua vida pedia calma agora. Naqueles últimos instantes, no Sitio Touro, no Piauí, chamou seus amigos e pediu-lhes um enterro simples, dentro daquela rede, assim como eram sepultados os escravos – estes que eram seus amigos leais.

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Bárbara Pereira de Alencar (1760, Pernambuco – 1832, Piauí): heroína brasileira, líder revolucionária na Revolução Pernambucana de 1817 e na Confederação do Equador de 1824, primeira mulher presa política da história luso-brasileira e matriarca da Família Alencar – uma das mais importantes da elite cearense, da qual faz parte o escritor José de Alencar, seu neto. Uma das personalidades históricas femininas marcantes que pouco se sabe ou é estudada. Mas que muito merece ser conhecida e suas memórias honradas. E é com esse propósito que esse texto narrativo vem: rememorar a força de Bárbara de Alencar.

Fontes:

https://www.youtube.com/watch?v=O5soF1lEAjM

http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cultura/noticia/2017/03/08/barbara-de-alencar-uma-mulher-na-revolucao-de-1817-273375.php

http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/museu-resgata-historia-de-barbara-de-alencar-1.34041

http://www.meunegociobrilhante.com.br/inspire-se/elas-mudaram-o-mundo/revolucionaria-barbara-alencar/

Escrito por Evilanne Brandão.

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