O que aprendi com Uma Cama Quebrada, por Alisson Carvalho

Parte 2

Dia 31 de maio, sexta-feira, a Épica Cia de Criação apresentará o espetáculo “Uma Cama Quebrada” no Teatro do Boi, às 19h. A peça teatral é baseada na obra que tem o mesmo nome escrita por Roberto Muniz Dias. A experiência com a divulgação das fotos promocionais da nova obra do grupo de teatro que gerou reações adversas não me espanta.

Na verdade há algum tempo assistimos assustados às tentativas de boicotes e censura que vem atingindo às artes e por isso sempre relembro daqueles estranhos casos na história da humanidade que demonstram como reagem correntes retrógradas diante da possibilidade de mudança.

E nem quero entrar no mérito da nudez, pois não tem nada de novo nisso e é tão antiga quando os próprios humanos – alerta de ironia –talvez por isso ela tenha nascido conosco. Enfim, quem sabe os maniqueístas estejam certos, quem sabe a mácula deve estar nas artes, ou seja, na própria humanidade já que arte é produto da nossa expressão e singularidade.

Por isso, assim como o gato de Schrödinger, é possível e não é possível saber o que se passa dentro das portas de um teatro, entrar e conferir esse grande dilema requer coragem. Com isso quero dizer que para além de qualquer falácia, é aceitável escutar alguém questionar o valor artístico de uma obra após o contato com a criatura, a cria do artista. Entretanto, sem romper a barreira chamada porta, antes da estreia, opinar antes da apresentação, não dá argumentos e justificativas plausíveis para concluir qualquer coisa.

Por isso, nada mais justo que assistir ao espetáculo, seja para demonizá-lo, seja para elogiá-lo ou mesmo para ironizá-lo. E isso só quer dizer que é necessário certo empirismo nesse momento, sem mais. Talvez depois de apreciar a obra teatral você perceba que talvez Jamais Fomos Modernos e que até a veste de Vênus de Milo tem mais movimento que muitos juízes da arte.

Diante disso é possível dizer que criatividade não é produção em massa, criatividade é criar, ora! Envolve, inclusive, questionar conceitos e padrões.

Partindo desse princípio, é importante lembrar que assim que conhecemos a obra do Roberto Muniz, nos deixamos embebecer pelo caráter social do texto e percebemos de cara que não seria fácil, diante de tanto retrocesso, apresentar algo que por si só questiona todos os valores vigentes.

Por isso decidimos criar sobre a obra, afinal não dá para ficar dopado quando se estar cercado de discursos de ódio.

Entendo que a felicidade é vendida nas vitrines e que é necessária por estruturar a sociedade, está no modo como legalizamos as relações. Estabelecemos que só é possível amar um único indivíduo, sempre reforçando a propriedade privada. A felicidade é ter que se “produzir” um agrupamento chamado família.

Qualquer pensamento desviante obviamente não passaria despercebido. Qualquer ator social que seja diferente sofrerá sansões brandas ou severas dependendo do grau de desvio, afinal é importante manter a ordem. Observando os comentários grotescos percebo que os brados aleatórios partem sempre deste lugar comum: o desconhecimento.

O espetáculo que é financiado por – pasmem – ninguém, nutrido apenas pelos próprios componentes do grupo, estreará depois de mais de um ano de pesquisas intensas a respeito do tema. Entramos nesse palco já sabendo o que enfrentaríamos. Ou seja, podemos assumir diversas posturas, provocar e questionar valores ou reforçar e reproduzir o establishment.

É compreensível que alguns espaços optem por não participarem de nada polêmico, mas são aqueles que se propõem a mudar que realmente contribuirão para as artes, para a nossa história, e eu nem me refiro a esse espetáculo especificamente, mas ao ato de aceitar discutir temas tabus, de permitir que grupos dialoguem com a sociedade por meio de suas obras.

“o artista só se curva para seu público”, filme “Orquestra dos Meninos”.

Aos gestores dos espaços de apresentação: Acreditem, proponham, questionem. A arte também pode subverter, não precisa estar alinhada sempre ao pensamento comum.

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