Minhas pernas não me desobedecem mais

Créditos: Jonathan Dourado @opoetadaluz

Me causa estranhamento estar num lugar primordialmente feliz e estar triste. Isso tem se repetido muito na minha experiência, talvez também na sua.

É frequente pra mim sair meio desanimada para momentos de lazer porque em casa as coisas não facilitam. O homem que lá habita não é mais meu pai. Ele não está mais presente. Permanece preso a visões irreais e sempre perguntando por pessoas que não estão lá. Às vezes, quem ele chama e conversa nem habita mais essa dimensão. Fico pensando que enquanto ele chamar e eu não ouvir quem responde está tudo bem.

Mas, a verdade é que não está. Eu não estou bem, gostaria que estivesse. Aceno sempre positivamente às pessoas na rua, pois cansei de elaborar grandes explicações. Tudo é muito exaustivo. Ainda bem não sou de todo só. Continuo bastante solitária, sem dúvida, mas posso contar com alguma ajuda quando as coisas apertam pra valer.

Hoje recebi uma notícia muito boa. Dei aula. Me revitalizei com o que aconteceu durante a manhã. Aí chega a tarde e o ciclo de diminuição do entusiasmo reinicia. Na minha cabeça, essa baixa já tem hora e eu vou driblando como posso. Comparecer a eventos que me animam com música e dança costumava surtir mais efeito do que agora. Parece que nesse sentido também me perdi e não consigo mais me encontrar. Pensei muito sobre isso e ficou a dúvida se é realmente uma questão de perda de identidade ou se é somente o cansaço dos anos já me dobrando a esquina da vida.

O problema das pernas

Ainda falta muito para que eu conclua uma verdadeira motivação para o meu esmaecimento. O que segue me atrapalhando é a vontade de extravasar que sou incapaz de liberar, pois eu não danço mais como antes. O ritmo não vem. As pernas não se movimentam, obedecem a cabeça fixa nos olhares hipotéticos que poderiam me escrutinar. Algo que antes passava ileso de mim, hoje me aprisiona. Sigo meio livre, meio cativa desse pensar. Perdi o meu lugar feliz.

Aí toca aquela canção que fala, em letra e melodia, da forma como vivo e eu não danço. Apenas aguardo as lágrimas caírem para me refrescar. Saio andando na multidão esperando não ser vista, mas agindo como se todos os holofotes em mim estivessem. Desviando de olhares e buscando pequenas sombras nas marquises que encontro pelo caminho.

Penso nas coisas que fiz e as que doem mais são justamente as que deixei de fazer. Será que ainda terei tempo de viver sem amarras? Será que conseguirei me desamarrar?

E não é como se meus textos sempre terminassem com perguntas. É que no momento, a certeza é a última coisa que apareceria nas linhas que precisei elaborar.

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