As quatro paredes brancas do cômodo em que me encontro agora me engolem como se eu fosse nada. E, talvez, o nada seja o que mais sou agora. O nada é o que somos frente a todas as incertezas que nos cercam e nos devoram, dia após dia, desde que tudo isso começou. Silêncio é o que habita o mundo lá fora, tão diferente da confusão que existe aqui dentro. Não consigo calar os gritos interiores. No mundo para além das grades que protegem minha janela, um pássaro ou outro é tudo o que se escuta. A TV insistente do vizinho, vez por outra. Nada mais dos barulhos truculentos do choque de pneus dos ônibus com o asfalto gasto da rua. Já nem sei mais de que cor é o céu. Não ouso olhar pela janela, para não lembrar da liberdade que outrora existiu. O tempo já não corre mais, pelo menos não como antes. Sei que é dia por causa da luz que entra pelo pequeno espaço da janela, ou seria a luz de um poste acusando que já é noite? Não sei. Achei que soubesse de muitas coisas, mas entendo que não. Apenas vejo o passar dos dias, tentando não enlouquecer a cada nova manchete de atualização dos números. Confirmados. Descartados. Óbitos. Altas médicas. Sigo andando pela casa, cômodo a cômodo. Até o chão é branco demais agora. Reorganizo os livros da estante empoeirada, numa tentativa de produtividade. Leio uma ou duas poesias. A dissertação que espera ser escrita. A sobrinha que nasceu e só pode ser vista de longe. Afetos familiares presos à tela do pequeno aparelho que agora é a única possibilidade de sair para o mundo. A falta de sono que chega sempre na hora marcada. As lágrimas que viram oceano. Tudo me engole. Ainda existirá mundo quando tudo isso terminar?
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