Se você é artista, por favor, diga que é artista, por Noé Filho

Já perdi a conta de quantos artistas conheço que têm uma dificuldade enorme em se apresentarem como artistas. O que ao meu ver era para ser algo muito simples, para minha surpresa é um desafio para artistas que jamais imaginei que isso poderia ser uma questão.

Não vemos nenhum advogado, médico, administrador, engenheiro ou físico terem receio de se apresentar como tal. Talvez porque vivemos em uma sociedade que hipervaloriza os títulos. Você só pode ser algo se tiver um título que comprove, endosse isso. Tanto que os artistas que conheço que possuem alguma formação tradicional têm muito mais facilidade e tranquilidade em se afirmarem como artistas. Aliás, muitos me disseram que só passaram a se autodenominarem artistas após terem o diploma em mãos.

O que, ao meu ver, não faz sentido algum quando se fala em arte. Até entendo que muitas profissões realmente precisem de um diploma para permitir ou dar credibilidade ao exercício profissional, mas para arte isso não faz sentido algum. Claro que estudar, fazer cursos, investir na sua formação artística é bastante importante. Contudo, nunca será um diploma que determinará se alguém é artista ou não.

Sinto que outros têm dificuldade em “assumirem” que são artistas pelo peso que a palavra “artista” carrega. Parece que, ao se denominarem artistas, estão se igualando aos grandes nomes da história das artes. Ou têm medo de que as outras pessoas interpretem que estão sendo soberbos ao dizerem que são artistas. O que também acho que não tem sentido algum. Você afirmar que é artista não significa que é tão “bom” ou “genial” quanto grandes nomes das artes. Cada um tem direito a sua história. O fazer artístico também tem seu percurso de amadurecimento, experimentações e aprendizados.

Uma médica que afirma que é médica, não quer dizer que ela está querendo se comparar aos grandes nomes da história da medicina, quer dizer apenas que ela se compromete e se dedica a esta missão. O mesmo vale para um artista. Até brinco que um músico, por exemplo, que não quer se denominar como músico por não achar que pode se igualar a grandes músicos, acaba por se igualar a mim que não sei nem o que é um dó, um ré ou um mi. Ou seja, um músico sério e talentoso se nivelar a quem não sabe nada de música, não é bacana não.

Além disso, para ter o direito de dizer que é artista não precisa dedicar-se exclusivamente à sua arte. Acho excelente quem tem essa oportunidade. Mas é natural exercermos várias atividades diferentes, e tudo bem. Recordo de um amigo que se apresentava como “um professor que pinta” e tinha uma dificuldade enorme de se apresentar como artista visual, porque atua profissionalmente como professor. Não acho que tem essa necessidade de hierarquizar. Ele é um professor e um artista visual. Ou um artista visual e um professor. E tantas outras funções e atividades que ele quiser se dedicar. E tudo bem.

Dá vontade de listar todos os artistas que conheço que, mesmo sendo artistas fantásticos e que se dedicam profundamente às suas artes, têm uma dificuldade enorme em se apresentarem como artistas. Mas vou citar apenas o Alisson Carvalho. Um jovem escritor, ator e artista visual que não consegue se apresentar como tal, principalmente por não se achar digno ou no mesmo nível dos artistas que admira. O reflexo disso é que ele tem vários livros prontos, alguns há mais de 5 anos, por exemplo, e nunca publicou. Quer dizer, publicou apenas um ebook neste ano, chamado Rascunhos Líquidos, reunião dos textos poéticos publicados em seu perfil do Instagram, após muita insistência minha. E acho isso péssimo, horrível, trágico. Quantas e quantas obras artísticas nós, o público, estamos sendo privados porque os artistas têm receio de se afirmarem como artistas?

É importantíssimo que os artistas verbalizem que são artistas. Primeiro, porque dá um senso bem maior de responsabilidade com sua arte, o que se traduz no profissionalismo e na qualidade da arte que é apresentada. Quanto mais artistas talentosos levando a sério o seu fazer artístico, melhor para a Cultura e a Arte. Segundo, porque é uma missão linda e nobre. Terceiro, porque inspira outros artistas a fazerem o mesmo e a perceberem que arte não é uma ideia inalcançável, a arte é uma ideia possível e acessível a todos que almejam percorrer seus caminhos.

Por Noé Filho.

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1 comentário
  1. Parabéns! Ótimo texto. Uma reflexão muito pertinente em uma sociedade que tende a valorizar apenas aquilo que dá lucro imediato (fato que acaba inibindo muitos artistas de se apresentarem como tal). É importante nos denominarmos, independente do tipo de arte que produzimos ou do tamanho da visibilidade que temos, como artistas. Eu publico algumas poesias no insta e, até certo tempo, tinha receio de me denominar escritor por causa, entre outras questões, do número pequeno de seguidores que tenho, mas ai ouvi que não importa quantas pessoas tua arte atinja, o importante é sempre produzirmos, sermos arte, não nos importando se uma ou um milhão de pessoas vão ver a arte que a gente faz.
    O Alisson é foda e tem que deixar de lado essa insegurança de se denominar artista. Ele é incrivelmente talentoso!

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