E o carnaval de Teresina? Ficou por conta de quem?

Foto: Coletivo Stouradas

Aos carnavalescos de plantão, quem recorda dos grandes carnavais de Teresina? Em 2025, a capital do Piauí enfrentou uma triste realidade: a crise financeira no carnaval, uma das festas mais esperadas e tradicionais do calendário piauiense. A falta de investimento da prefeitura tem sido o principal fator para o cancelamento das festividades, deixando um enfraquecimento cultural nas ruas da capital piauiense. Em um momento onde a festa popular deveria ser sinônimo de celebração e afirmação da identidade regional, Teresina se vê distante da sua própria história carnavalesca, prejudicando não apenas a diversão, mas também a economia local que depende desse evento para gerar emprego, renda e movimentar diversos setores, como turismo, comércio e serviços.

Em meio a essa lacuna, os fazedores de cultura, que sempre foram responsáveis por manter viva a chama do carnaval teresinense, enfrentam o desafio de improvisar e buscar alternativas. Sem o apoio público necessário, os fazedores de cultura e os artistas locais se viram obrigados a criar soluções criativas para manter a tradição, ainda que de forma reduzida. A ausência de importantes recursos não só expõe a negligência da gestão pública com a cultura, mas também revela a resistência e o empenho de quem, mesmo em tempos difíceis, ainda acredita no poder transformador da arte e da celebração popular.

Vale recapitular que, ainda no início do ano, o prefeito eleito Silvio Mendes confirmou que a prefeitura não patrocinaria o Carnaval em decorrência da crise enfrentada na saúde e também em outras áreas da capital. A Geleia Total conversou com alguns fazedores de cultura de Teresina, com o intuito de compreendermos, o que fazer, para não deixar o carnaval morrer em tempos de crise.

O produtor cultural e carnavalesco Messias Júnior, um dos idealizadores da Associação Carnavalesca Bloco Paçoca que possui trinta e dois anos de existência e acontece no Bairro Saci, Zona Sul, afirma que o colapso cultural vigente no carnaval Teresina já era previsto.

“Desde 2022, criamos o The-Carnaval e alertamos a sociedade para esse colapso do nosso carnaval, de falta de financiamento. Isso se deve à falta de uma política pública para o carnaval. O The-Carnaval foi criado para isso. Nos pegou de surpresa, porque pelo menos mantinham os editais. Dessa vez, nem o edital saiu. E a gente teve que manter a tradição de formas criativas, com a comunidade, e com os foliões do Bloco do Paçoca e da parceria que a gente já vem fazendo com a Escola de Samba Brasa Samba. E esse ano, nós conseguimos outra parceria. Com o bloco Urubu Guerreiro, que participa também do 31º Carnaval do Paçoca lá no Saci”, disse.

Carnavalesco Messias Júnior, (Foto: Reprodução – Redes Sociais)

O Movimento Stouradas agita a cena urbana teresinense desde 2017. O Coletivo ocupa os espaços e simboliza a diversidade por onde passa, celebrando especialmente a comunidade LGBTQIAPN+. O projeto foi idealizado pelo publicitário e produtor Cultural Richard Henrique. Segundo o produtor, os cortes no investimento no carnaval é uma falta de respeito e empatia com a cultura teresinense.

Richard Hiperbolar (Foto-Coletivo Stouradas)

“A ausência de apoio ao carnaval é uma grande falta de respeito com a cultura e com a cidade. O carnaval é um dos poucos momentos do ano em que a população se reúne para celebrar e, ao mesmo tempo, movimenta a economia em diversos setores. Não é falta de conhecimento sobre como fomentar a festa – a administração pública sabe muito bem o que precisa ser feito. Mas, como sempre, a cultura é a primeira a ser sacrificada, principalmente quando não serve como moeda de troca política”, afirma.

Foto: Coletivo Stouradas

Um dos blocos mais tradicionais da cidade, o antigo Sanatório Geral movimentou a cena carnavalesca teresinense desde 2004, o Sanatório se tornou um dos grandes símbolos do sábado de carnaval no centro histórico da capital do Piauí. Em 2023, com a falta de recursos por parte da prefeitura, foi anunciado o fim do bloco. Neste ano, mesmo com as dificuldades o projeto ressurge com o desejo de não deixar o movimento morrer, ressurge com o nome da praça onde foi criada, por um grito de resistência, amor e respeito pelas tradições culturais da cidade, e assim renasce sendo chamado de ‘Bloco da Liberdade’. O diretor teatral e produtor cultural, Arimatan Martins, é um dos idealizadores do movimento, e ressalta que sem investimento público ficou muito difícil colocar o bloco na rua.

“Como artista tenho um compromisso com a vida da cidade em todos os sentidos. A Arte e a Cultura são os meus meios de ação, atuação e expressão dessas manifestações. A arte cabe em tudo.  No desenvolvimento Social, humano e econômico. É um tecido social abrangente, onde tudo cabe nela e ela cabe em tudo. Tenho vocação para o otimismo, participo da semântica do sucesso”, então rompo os cordões de isolamento e aposto na alegria, que é “a prova dos nove”. O mais difícil em fazer um movimento como o meu bloco (que é mais do que um bloco). É o movimento artístico e cultural “TERESINA 100 POR CENTRO (um jogo de palavras no sentido de%). A estrutura técnica (palco, luz, som, banheiros químicos, organização do trânsito, segurança pública) são os itens mais complicados se não tiver o decisivo apoio público, municipal e estadual”, ressalta.

Foto: Arimatan Martins/ Reprodução: Redes Sociais.

O carnaval é uma festa popular que tem o poder de movimentar a economia criativa local, ou por meio do comércio, turismo e das produções culturais. Sem o devido investimento do poder público fica difícil para os produtores levar essa alegria para os foliões. Messias Júnior afirma que o Bloco Paçoca precisou fazer ‘vaquinhas virtuais’ para ser realizado neste ano.

“Passamos o chapéu literalmente por meio do QR Code nosso da associação, porque a gente é reconhecido como utilidade pública, a gente paga taxas da prefeitura, inclusive imposto todo o ano, de cerca de 800 e poucos reais, e a gente lamenta muito não ter que contar com financiamento da prefeitura e até mesmo do Governo do Estado, porque nós não saímos, nós botamos no PNAB, ficamos na suplência e não tivemos o nosso projeto aprovado, infelizmente. Distribuímos na festa a chave PIX, que é o CNPJ da entidade. Evidentemente, vendemos camisas do Paçoca e da Brasa Samba, por R$ 40,00. E quem quiser contribuir é só fazer a chave PIX diretamente para a associação carnavalesca-bloco do Paçoca. Nós estamos fazendo porque precisamos manter essa tradição, né? Costumo até dizer que o Paçoca é madeira de leque com pino rói”, afirma.

Foto: Reprodução/Redes Sociais – Bloco Paçoca.

Apontar soluções faz parte do protesto, Messias Júnior ainda reforça uma alternativa visando fortalecer a economia criativa em importantes datas como o carnaval de Teresina.

“A Câmara Municipal de Teresina precisa aprovar uma lei do carnaval, no qual contemple uma COC PERMANENTE Comissão Organizadora do Carnaval e essa COC seja composta pelos três segmentos da sociedade: As agremiações carnavalescas, o poder público e a iniciativa privada. É importante ressaltar que de cada um real investido no carnaval R$ 1,60 retorna ao poder público, então carnaval não é despesa. Carnaval é investimento. O carnaval se torna despesa quando falta planejamento. Não pode é a prefeitura executar emenda parlamentar de R$ 200 mil reais em jogo de futebol com a justificativa de bloco carnavalesco ( homens vestido de mulher) como já aconteceu em passado recente”, destaca.

 

De acordo com o Portal Agência Gov, dados do Observatório Itaú Cultural apontam que, em 2020, a economia da cultura e das indústrias criativas (Ecic) do Brasil movimentou R$ 230,14 bilhões, equivalente a 3,11% do PIB — superando o da indústria automobilística. Numa entrevista ao Programa “Bom Dia, Ministra”, Margareth Menezes, Ministra da Cultura revelou que todos os estados brasileiros e 97% das cidades já haviam aderido e recebido recursos da Política Aldir Blanc para investirem em cultura até 2027, porém, com esses dados, supõe-se que esses recursos não foram totalmente utilizados. Richard Stouradas enumera vários obstáculos enfrentados para a realização de um evento carnavalesco de produção independente.

 

“Produzir um carnaval alternativo e independente é um desafio imenso. O primeiro obstáculo são os custos elevados, principalmente no setor de estrutura de eventos, cujos valores triplicam nesta época do ano devido à alta demanda. Além disso, ocupar praças públicas tem um custo que muita gente desconhece. Organizar um evento de rua não é simplesmente chegar e fazer; é um processo burocrático e caro, pois envolve órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio ambiental e estrutural. Nessa realidade, é preciso jogo de cintura para estabelecer parcerias com pessoas e gestões que compreendem a importância social do projeto e, muitas vezes, ajudam a reduzir as taxas abusivas. No fim das contas, a estratégia é trabalhar com quem já acreditou no nosso projeto antes e criar parcerias sólidas para viabilizar o carnaval. Ainda assim, neste ano, estou bancando parte dos custos do meu próprio bolso – o que é um grande absurdo. Afinal, trabalhamos para gerar renda, não para perder dinheiro”, pontua.

Foto: Reprodução/Redes Sociais – Bloco Stouradas.

Richard Stouradas destaca que a crise leva a privatização de um evento que é do povo e precisa ser acessível como direito do cidadão de usufruir de arte e cultura.

“Carnaval sem verba pública é carnaval privatizado. E um carnaval privatizado se sustenta pela venda de ingressos e insumos, o que significa que ele continua movimentando a economia, mas apenas para quem pode pagar – ou seja, para os grandes empresários. Esse modelo exclui boa parte da população, não celebra a cidade, não fortalece a cultura de rua, não promove debates sociais e não democratiza o acesso à arte e ao lazer”, disse.

O produtor cultural também aponta caminhos para reforçar o fortalecimento da economia criativa em importantes datas como o carnaval de Teresina.

“A economia criativa, por essência, deve ser colaborativa e acessível. Para que isso aconteça, o financiamento público é essencial. Só assim garantimos um carnaval democrático, gratuito e inclusivo, que beneficie ambulantes, artistas, brincantes e todas as camadas da sociedade que, ao mesmo tempo que se divertem, também trabalham e fazem seu corre. Carnaval e economia criativa caminham juntos, mas seus impactos só são reais quando conseguimos mobilizar a cidade inteira e incentivar o consumo de arte e cultura com gratuidade, segurança e acessibilidade”, destaca.

Manter tradições não é uma missão fácil, principalmente quando se trata de uma capital de estado onde existe uma maior contração de força política, porém, muitos não apoiam, desde a captação de recursos, infraestrutura e apoio da sociedade. Messias Júnior ressalta que o interesse político não permanece como uma ação contínua e sim em momentos centrados no aproveitamento próprio.

“A consciência das empresas privadas em termos de retorno, de visibilidade para eles, eu acho que eles não têm essa consciência do retorno, que tem a juntar a marca da empresa com o carnaval, com o bloco, com a escola de samba. Isso é uma das dificuldades que a gente entende. O outro é mesmo a classe política, que infelizmente tem um olhar pequeno para a cultura. Lembra da cultura e da educação na época da campanha. Passada a campanha, querem apenas construir prédios. Trabalho muito no fisiologismo mesmo. Isso atrapalha muito. A outra questão é colocar na agenda do executivo a política pública, com lei, com a programação lançada no aniversário da cidade Teresina, programação carnavalesca. Então, assim, na comunidade a gente tem apoio, as pessoas participam, botam barraca, compram camisas, divulgam nas redes sociais, estão sempre colaborando. A comunidade quer participar, a comunidade participa, especificamente a do sacio, ela é uma comunidade que dá apoio, inclusive a gente faz parceria com as associações de moradores”, pontua.

Richard Stouradas destaca que, uma das grandes dificuldades de ser realizar um carnaval de rua é também quanto ao reforço de algumas frentes de logística, como receber o apoio da segurança pública.

“A maior dificuldade é, sem dúvida, financeira. Tudo no carnaval encarece porque a demanda cresce e a oferta dispara. Mas, além da questão dos recursos, a falta de segurança pública é um problema crítico que dificulta ainda mais as ocupações. Apesar da presença da Polícia Militar e da Guarda Municipal, sabemos que a criminalidade vai além do que pode ser contido. Isso afeta diretamente a confiança do público, que muitas vezes se sente inseguro ao participar de eventos de grande porte em espaços públicos. Infelizmente, esse receio não é exclusivo da nossa cidade – é uma realidade em todo o país”, explica.

Mesmo com as dificuldades, o Bloco Carnavalesco de Rua Stouradas é conhecido por reunir o público LGBTQIAPN+, essa ação une um tom de liberdade com a proposta de ocupação do centro da cidade, o que vem acontecendo com mais frequência e ganhando uma força para a comunidade.

“A história LGBTQIAPN+ sempre esteve ligada ao centro da cidade, tanto por ser um espaço acessível quanto por ser um espaço marginalizado. E “marginalizado” porque tudo que foge do padrão imposto pela sociedade sempre foi jogado para as margens – do preconceito, da violência, do segredo. O centro, com sua vida noturna, acabou se tornando um refúgio para a comunidade, um lugar de encontros, de resistência e de liberdade. Desde os anos 80, bares, boates, casas de show e saunas voltadas para o público LGBTQIAP+ surgiram nesse território. A rua também tem sua história, com espaços de prostituição e pontos de encontro que seguem existindo até hoje”, disse.

Foto: Coletivo Stouradas

Nesta edição de 2025, o bloco Stouradas ocupou a P2, Praça Pedro II, um importante complexo cultural do centro de Teresina, representada por movimentar espaços perdidos com o descaso e o esvaziamento do centro da cidade. Apesar das dificuldades financeiras e do incentivo por parte da prefeitura, Richard, um dos mais novos fazedores de cultura da nova geração, celebrou com otimismo a realização do bloco.

“O Bloco Stouradas 2025 se tronou um dos momentos mais emblemáticos do carnaval de Teresina, reafirmando sua essência como um movimento sociocultural LGBTQIAPN+ de resistência e ocupação do centro da cidade. Neste ano, a Praça Pedro II foi o grande palco dessa celebração, com um evento gratuito e acessível para todes. A programação começou às 16h e seguiu até meia-noite, reforçando a proposta de ocupar o centro de forma segura, vibrante e inclusiva. E para coroar essa edição histórica, tivemos ninguém menos que MC Carol, um ícone da música e da resistência, trazendo sua energia e irreverência para levantar o público. Além dela, o evento contou com uma programação diversa, valorizando artistas independentes e a cultura local. Mesmo diante dos desafios, como a falta de incentivo público e os altos custos de produção, o Bloco Stouradas segue firme com a força da comunidade e das parcerias. Mais do que um bloco, é um ato político, cultural e social, garantindo que o carnaval de rua continue sendo um espaço de democratização da arte, da economia criativa e do direito à festa”, finaliza.

Foto: Luan Rodrigues

Considerado um importante entusiasta da cena carnavalesca teresinense, Arimatan Martins ressalta que o carnaval é um momento de união e celebração.

“Enfim, o carnaval como a maior manifestação popular brasileira da alegria, é também a maior manifestação da estética, da liberdade, da irreverência e da felicidade do povo brasileiro em todos os seus níveis da estrutura e tecidos sociais. E o momento onde o avanço no processo civilizatório fica bem evidente e à flor da pele. O Bloco da Liberdade, também avança no sentido das linguagens e das estéticas, trazendo um Carnaval e tudo que cabe nele e o que nele cabe em tudo. “O mundo Por para um Carnaval Pop”. Um lugar incomum, onde tudo e todos se encontram numa celebração e catarses de suas fantasias na cena real da Liberdade”, finaliza.

Bloco Liberdade / Reprodução: Redes Sociais.

Apaixonado por carnaval e um militante raiz das causas por melhorias no fortalecimento da arte e cultura teresinense, Messias Júnior destaca a importância de preservar vivo o amor pelo carnaval e por seu projeto.

“Carnaval para mim é pertencimento, é pertencer à cidade de Teresina, mostrar nossas origens, mostrar de onde a gente veio, que o carnaval é resistência, o carnaval mostra a realidade social do nosso país e, por que não dizer aqui, da nossa capital. A gente luta e continuará lutando para que esse carnaval seja mantido de forma tradicional, que tenha samba em rede, que tenha machinha, que retorne o carnaval das escolas de samba, que tenha concurso de músicas, de samba em rede, que tenha concurso de fantasia, que tenha bailes nos clubes e que os blocos animem. As comunidades, os bairros, e que bloco tem um desfile, né? Ele não fica parado, porque descaracteriza. O que a gente vê hoje, infelizmente, são nomes de estabelecimentos comerciais botando um palco e botando uma banda em cima e dá-lhe cover do Rio de Janeiro, da Bahia, de Pernambuco. Então, a gente tem que manter essa nossa tradição. E, importante, o fascismo, o nazismo, ele tem como principal objetivo enfraquecer a educação e matar a cultura. A cultura é o alvo principal, porque o povo sem cultura, o povo sem identidade é um povo alienado e fácil de ser manipulado e por extremismo da direita mesmo, fica decepcionado e tudo. Então, precisamos resgatar essa tradição, precisamos salvaguardar, proteger o nosso carnaval por bem da comunidade, por bem da economia, por bem da cultura, por bem do nosso povo”, conclui.

Mesmo com dificuldades, alguns blocos saíram pelos bairros teresinenses, unidos pelo amor ao carnaval. Agora o que nos resta é torcer para que em 2026, as festividades de carnaval façam as pazes e sejam recuperadas com o apoio da prefeitura de Teresina, em nome da nossa história, cultura, legado artístico e do bem-estar econômico da população.

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