Piauí no Oscar: estado é citado em música de ‘Ainda Estou Aqui’

O filme brasileiro Ainda Estou Aqui concorre em três categorias (Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres) no Oscar 2025, que acontece neste domingo (2), em Los Angeles. E se você, que é piauiense, foi ver o filme nas telonas, com certeza vibrou com uma referência ao estado: a música Take Me Back to Piauí.

Take Me Back to Piauí é uma música de 1972, composta pelo músico e humorista carioca Juca Chaves, conhecido por seu humor inteligente e crítica social, o que o tornou uma figura icônica no cenário artístico brasileiro.

A canção tem relação direta com outra música: País Tropical, de Jorge Ben Jor, como explica o professor doutor em Música, Thiago Carvalho. “É uma alusão a Wilson Simonal, tem uma relação direta com aquela música País Tropical, do Jorge Ben Jor, que trata dessa questão do bem-estar social, muito bem representada nessa composição, que é muito conhecida tanto no Brasil quanto fora”, analisa.

O embate teve início quando Wilson Simonal popularizou a música de Ben Jor, que exaltava as belezas e a alegria de viver no Brasil. No entanto, em meio ao contexto político da época, Simonal foi rotulado como simpatizante do regime militar, o que gerou grande controvérsia.

“Moro num país tropical
Abençoado por Deus
E bonito por natureza (mas que beleza)
Em fevereiro (e fevereiro)
Tem carnaval (tem carnaval)
Eu tenho um Fusca e um violão
Sou Flamengo
Tenho uma nega chamada Tereza”
Trecho de País Tropical, de Jorge Ben Jor

Provocador e satírico, Juca Chaves respondeu com Paris Tropical, uma paródia que ironizava o otimismo de País Tropical, exaltando a vida confortável e luxuosa na França.

“Alô Brasil, alô Simonal
Moro e namoro em Paris tropical
Tereza empregadinha, eu sou seu patrão
Vendi meu Fusca e o meu violão
Tenho um Jaguar, só ouço Bach
Eu como estrogonofe em lugar de feijão
Mas que patropi nada
Isto aqui é que é um vidão”
Música Paris Tropical, de Juca Chaves, respondendo a País Tropical

Jorge Ben Jor, por sua vez, rebateu com Aleluia, Aleluia e, mais tarde, com Cosa Nostra, reafirmando seu orgulho pelo Brasil e enaltecendo sua cultura. Foi então que Juca Chaves resolveu encerrar a disputa com Take Me Back to Piauí, uma canção bem-humorada em que ele renega o luxo parisiense e reconhece, de forma irônica, que Simonal estava certo em valorizar o Brasil.

“Adeus Paris Tropical
Adeus Brigitte Bardot
O champanhe me fez mal
Caviar já me enjoou
Simonal estava certo
Na razão do patropi
Eu também, que sou esperto,
Vou viver no Piauí”
Trecho de Take Me Back to Piauí

O professor alerta que a utilização do nome do estado como referência se dá para criar a ironia de um lugar pobre dentro de um país que aparenta gerar bem-estar. “E essa questão do Piauí no contexto tem, sim, uma relação com o contraste social. Porque o Piauí, na época, nos anos 70, era considerado o estado mais pobre do Brasil. Então, até pouco tempo atrás, ainda carregávamos esse estigma de pobreza, de miserabilidade. Particularmente, me incomoda muito o que Juca Chaves faz com o nome do Piauí, nesse sentido de que ele usa esses recursos simbólicos para afirmar a miserabilidade do nosso estado. É um preconceito, eu penso”, critica Thiago Carvalho.

Chaves morreu aos 84 anos em Salvador, na Bahia, em março de 2023. Ele chegou a ser reconhecido em vida pelo Governo do Piauí na década de 70 pela música que ele mesmo compôs e cantou, ainda que a canção não fosse uma homenagem ao estado.

Take Me Back to Piauí no filme
A seleção das músicas que compõem a trilha do filme passa pela mensagem que elas querem agregar, como explica o diretor de audiovisual Brendo Veras.

“O processo de fazer um filme passa por várias mãos, desde a direção, produção, roteiro e atores até o momento da montagem e finalização. No geral, sempre cabe ao diretor tomar decisões que contribuam para a melhor narrativa da história que está sendo contada. O mais importante a ser levado em conta é como isso pode agregar ao filme, seja dentro ou fora das telas”, afirma.

Diretor de audiovisual Brendo Veras
Diretor de audiovisual Brendo Veras

Além de Take Me Back to Piauí, outras músicas compõem a trilha sonora do filme. Algumas que se destacam são: A Festa do Santo Reis, de Tim Maia; Jimmy, Renda-Se, de Tom Zé; É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo, de Erasmo Carlos; Acauã e Falsa Baiana, de Gal Costa; Baby, dos Mutantes; As Curvas da Estrada de Santos e Como Dois e Dois, de Roberto Carlos; Fora da Ordem e Um Índio, de Caetano Veloso.

Sobre a música que cita o Piauí, Veras reflete sobre o contraste entre a mensagem que ela transmite e o contexto em que é usada no filme.

“A música no filme é contemporânea ao seu tempo. Estamos falando do período da ditadura militar, em que artistas que sofriam repressão procuravam exílio ou fugiam da perseguição. No contexto do filme, mostra-se esse desejo de Vera Paiva de ir para o exterior, seguindo os passos desses mesmos artistas, um desejo de libertação. Ao mesmo tempo, há um contraste, já que a música de Juca Chaves expressa também o desejo de voltar ao Brasil, de retornar à sua cultura brasileira. A cena em questão, quando a família começa a dançar ao som da música, busca trazer esse sentimento de nostalgia e desejo pelo melhor do Brasil, em oposição a todo aquele contexto de repressão”, pondera Brendo Veras.

Ainda Estou Aqui reconhecido pelo mundo

O longa recebeu três indicações ao Oscar 2025, incluindo a principal categoria, Melhor Filme. Além disso, concorre a Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres no papel de Eunice Paiva. Esta é a primeira vez na história que um filme brasileiro disputa o prêmio de Melhor Filme, tornando a conquista ainda mais significativa. O filme já totaliza 38 prêmios desde que começou a percorrer o circuito de festivais no ano passado.

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Postagens Relacionadas