O grafite, um elemento fundamental da cultura Hip-Hop e um símbolo de liberdade de expressão, antes considerado uma manifestação marginalizada, agora ganha destaque ao garantir a liberdade de transformar espaços públicos em verdadeiras galerias a céu aberto. Com seus desenhos coloridos e intricados, conquistou um lugar na cultura institucional brasileira através do reconhecimento oficial.
Aprovado como uma forma de expressão nas artes visuais, especialmente na arte urbana, o grafite utiliza paredes como suporte para criar uma linguagem intencional que impacta a cidade. Em entrevista ao GeleiaTotal.com.br, Clara Soares, artista visual e integrante dos coletivos Narco Crew e Bixaria Crew, esclarece que essa manifestação artística se conecta diretamente com a comunidade, utilizando significados e histórias que ressoam com o cotidiano das pessoas. “A gente sabe que a maior parte da população vive rotinas exaustivas de trabalho e nem sempre sobra tempo para ter acesso à arte. E no meio urbano, o graffiti consegue justamente se comunicar com sua própria comunidade, com narrativas e simbologias que atravessam todos nós”, afirma. Ao ocupar os muros da cidade, o grafite ultrapassa as definições de uma simples linguagem artística, tornando-se um importante instrumento de protesto e transgressão dos valores estabelecidos.

Com a promulgação da Lei nº 14.996, sancionada em 15 de outubro de 2024, esse reconhecimento foi consolidado, integrando o grafite ao contexto das artes visuais e urbanas. Celebrado como uma manifestação legítima, ao lado de outras expressões como charge, caricatura e cartum. Seu reconhecimento não apenas reforça os direitos dos artistas, tal qual estimula um debate crucial sobre a relação entre arte, cidadania e políticas urbanas. Uma vez que tal expressão possibilita a comunicação entre as comunidades, a união de muitas culturas que coexistem e facilita a fusão entre o centro e a periferia. “Eu acredito que todos os grafiteiros piauienses carregam consigo um peso forte de serem essenciais para o movimento na nossa cidade, e cada um contribui de formas inimagináveis”, destaca a artista.
Clara, que adota o pseudônimo de Potiza, conhecida por seu trabalho com arte e arte-educação, enfatiza que, através da arte urbana, mantém viva sua ancestralidade e convívio com as matas e águas do Piauí. Suas principais referências no movimento piauiense incluem mestres como WG, Linea, Ivih e Simone. Potiza acredita que, graças ao grafite e à influência dessas personalidades, a arte piauiense está alcançando novos patamares e se destacando de forma significativa.
No entanto, existe uma linha tênue que separa o grafite da pichação, e a pichação do intolerável. Reconhecer a diferença entre essas formas de comunicação urbana – tão intimamente relacionadas ao longo da história – pode ser crucial. Uma vez que a relação entre arte e transgressão reflete a complexidade da interação entre os artistas urbanos e o espaço público. Em Teresina, assim como em muitas outras cidades, a percepção do grafite é diversificada. Existem artistas que criam obras de grande impacto visual e cultural, que corroboram com a revitalização dos espaços e a expressão da identidade local. Por outro lado, a pichação é amplamente marginalizada, causando desconforto entre os moradores. Contudo, alguma vez houve o devido questionamento sobre sua significância?

Enquanto o grafite, com suas diversas formas e cores, é valorizado esteticamente e reconhecido como uma forma de arte contemporânea, geralmente aceita pela sociedade, a pichação é vista como uma degradação da paisagem urbana. No entanto, Clara destaca que ambos são expressões urbanas que transcendem a estética, funcionando como formas de protesto e ocupação de espaços. “É importante entender que o grafite surge a partir da pichação, e que isso não torna um melhor que o outro. A diferença reside nas técnicas empregadas e na intenção de cada obra”, ressalta. Assim, é fundamental reconhecer que pichadores se tornam vândalos quando inscrevem suas tags – geralmente sem autorização – em propriedades públicas, privadas e, em casos extremos, em prédios tombados pelo Patrimônio Histórico e Cultural. Um detalhe crucial nesta discussão: mesmo reprovável, a ação dos pichadores merece ser analisada. Ela nos permite debater noções de identidade, pertencimento, protesto e transgressão, além de nos ajudar a compreender as perspectivas de quem pichadores são e como veem a sociedade.
Como uma manifestação social e cultural poderosa, o grafite carrega força, representatividade e a história de uma cultura. O reconhecimento deste estilo como arte pode impulsionar a economia criativa local, gerando oportunidades para artistas, produtores culturais e iniciativas relacionadas à arte urbana. Considerada uma multiartista, Potiza nos revela que, através do grafite, participou de festivais estaduais e internacionais, colorindo muros com personagens que resgatam o encantamento das florestas e dos rios. “Acredito que todas as artes podem se comunicar e confluir quando suas intenções se assemelham. Eu, por exemplo, além de graffiteira, sou pintora, ilustradora, escultora e DJ, e tudo complementa uma outra.”, afirma a artista.
A Lei nº 14.996/2024 reforça que o movimento transcende as barreiras do preconceito, passando a ser visto não apenas como arte marginal, mas sobretudo como uma ferramenta de diálogo social e revitalização urbana. “Acho que já tá na hora de valorizar o trabalho do artesão. A gente gasta nossa tinta, nosso suor e nosso tempo para colorir a rua. O mínimo que a gente precisa é ser respeitados e valorizados”, ressalta Potiza. Este estilo de arte carrega histórias, sentimentos e reflexões que dialogam diretamente com a sociedade e o espaço urbano. É uma forma de expressão que transcende o tempo e o espaço, conectando pessoas e culturas. “Um graffiti às vezes pode ser um ato de ódio, um pedido de socorro ou um caso de amor. Se observarmos direito, as paredes sempre estão comunicando algo. E tudo isso é importante para entendermos o movimento da cidade e como o grafite atravessa o tempo”, conclui.