Jihnny Azevedo, ou melhor, a tia Jihnny, como é conhecida pelas muitas bailarinas que já passaram pelas suas contagens de “Cinco, seis, sete e oito”, é bailarina e professora de ballet a mais de dez anos em Teresina. Entre os palcos e a sala de aula, dançou e atuou como professora por 13 anos na Escola de Ballet Helly Batista, até a fundação do seu próprio Studio de Ballet & Pilates Jihnny Azevedo em 2019, que já completa 6 anos no dia 11 de maio deste ano.
Dançar, para Jihnny, é um ato de amor. Foi o amor desde criança que a fez começar. Foi o amor que a fez insistir. E foi o amor que fez ela se encontrar e reencontrar tantas vezes na dança, ao ponto de outras tantas bailarinas e bailarinos se encontrarem e reencontrarem também através do amor de Jihnny. Dançar é amor. Ensinar a dançar é amar duas vezes.
Tanto é o carinho que em 2023 o Studio Jihnny Azevedo conquistou o primeiro lugar na categoria Stúdio de Ballet no prêmio Melhores do Ano feito pelo grupo Klér Carvalho, através de pesquisa de preferência e opinião pública na internet. Em relato, Jihnny nos conta:
“Foi um momento muito nostálgico, porque a gente lembra de toda nossa trajetória, então pra mim significa muito, porque é minha história, tudo que eu passei, tudo que eu tenho conquistado com muito suor, muito esforço, sem passar por cima de ninguém e construindo tudo do zero. Foi muito marcante, eu vi quantas pessoas são influenciadas pelo meu trabalho e eu fiquei muito feliz, porque eu sei que tem várias pessoas que torcem de verdade pela gente ”

Pelos allegros e adágios da vida, em entrevista a Geleia Total em 8 de abril de 2025, Jihnny nos conta sobre sua trajetória no ballet, dos sonhos de ser bailarina à realização como professora, apresentando-nos uma visão crítica e inclusiva sobre a dança como um espaço de libertação para todos os corpos. Confira:
Geleia Total: Jihnny, como surgiu a sua relação com a dança?
Jihnny Azevedo: Eu sempre quis fazer ballet, sempre fui apaixonada por dança, mas existia uma resistência muito grande da minha família de um modo geral quanto a fazer atividades… Um dia eu fui assistir a uma aula em um projeto próximo de casa, numa Igreja, ao lado tinha uma creche e lá tinha uma professora que dava aula de ballet. Eu fui e gostei muito, pedi pra entrar e ela disse que não dava certo por conta da minha idade, porque era só até uma certa idade limite. Mas, eu falei pra ela “Então, por quê minha prima tá fazendo também se ela é mais velha do que eu?”, aí depois dessa ela disse que eu poderia então fazer lá (risos). Enfim, comecei a fazer a aula, sempre gostei e ali eu me encontrei.
Na verdade, vou voltar um pouquinho, porque antes de começar as aulas nesse projeto, quando eu era mais nova, uns 8 pra 9 anos, teve uma seletiva do Bolshoi na escola que eu estudava. Passou eu e outra menina, eles, do Bolshoi, falaram com meus pais pra explicar como funcionava, como era a bolsa, que eu tinha passado, etc… só que minha mãe não deixou eu ir… Nossa, eu chorei tanto! Acho que passei uma semana triste chorando.
Mas minha família sempre foi muito humilde, né, a gente quase não tinha o que comer, então no momento em que minha mãe conversou comigo era mesmo por questões financeiras, porque a sede era em Santa Catarina, eu teria que ir pra lá, não tinha como minha família ir, não tinha como me sustentarem lá, e também por medo, porque estava no pique da novela da Morena, Salve Jorge (risos), e ela achava que iria acontecer alguma coisa, preocupação de mãe, sabe?

E eu fiquei com aquilo na minha cabeça… ela não deixou eu ir, mas eu já passei numa seleção do Bolshoi. Aí que veio o projeto, eu já tinha uns 10 ou 11 anos, comecei a fazer aula nesse projeto com a professora Kalinka, quando ela disse que ia ter uma seletiva na Lenir Argento e eu fui, eu e minhas primas. Quando eu fui fazer o teste, quem tava avaliando era o Helly Batista e o Helly Júnior, eles sempre olhando e me corrigindo.
Eu saí da sala, lembro de ter ido beber água, e quando penso que não… lá vem um senhor correndo com um cartão na mão, eu tomei um susto, sempre fui meio assustada. Ele falou assim pra mim: “Você é muito linda, você é maravilhosa, se você não passar aqui, eu quero que você vá pra minha escola sem pagar nada”. Eu só acenei com a cabeça e peguei o cartão. Aí fui falar com minha professora, falei que um senhor tinha ido falar comigo, ela perguntou quem era e quando eu mostrei, ela disse que ele era o dono de uma das melhores escolas de dança de Teresina e que ficava perto de onde eu morava, perto da UFPI.
Eu cheguei a passar na seletiva da Lenir Argento, mas eu não fui, porque minha professora falava muito bem da escola Helly Batista e me indicou ir pra lá já que eu tinha ganhado a bolsa de 100% e seria mais viável pra mim. Ela foi e falou com eles pra que minha prima pudesse ir também, e acabou que eles conseguiram acolher ela.
Comecei a fazer aula, mas minha mãe nunca teve condição de custear muita coisa, então eu sempre recebia doação lá dentro da escola mesmo, e sempre com aquilo na cabeça de querer ser bailarina, nunca de querer ser professora. Eu queria ser bailarina. Mas, aconteceram várias coisas, a questão financeira pesava, quando eu pude ter uma sapatilha de ponta mesmo comprada, acho que foi quando eu comecei a trabalhar vendendo bombom, trabalhando de babá, fazendo faxina, lavando roupa, engomando, então minhas sapatilhas de pontas eram todas velhas e já quebradas (diz-se “quebrar a ponta” o processo de adequação da sapatilha de ponta ao pé da bailarina), mas eu ia, meus meiões todos rasgados, eu costurava, rasgava e eu costurava, minha mãe só comprava pra mim no final do ano pra dançar nos espetáculos e foi assim que eu comecei.
Depois eu tive a oportunidade de começar a estagiar na escola, mas eu ainda tinha o pensamento de querer ser bailarina. Comecei a estagiar e no início foi bem difícil, porque é o que digo hoje, você ser um bom aluno, não significa que será um bom professor, você ser um bom professor, não significa que você foi um aluno perfeito. No começo eu queria reproduzir muito o que meu professor era, o Helly Jr. sempre cobrou muito da gente, e às vezes eu queria cobrar também a perfeição, mas pra crianças de 3, 4 anos, o que é errado. O tio Helly Batista, pegava muito no meu pé por isso, abria a porta, assistia minha aula, chamava minha atenção, até que com o tempo fui aprendendo a gostar.
Quando eu vi que as meninas estavam gostando de mim, fui desencanando daquilo de querer ser bailarina profissional de palco e tudo mais, e também… eu já estava ficando “mais velha”, então era mais difícil. E aí eu comecei nessa de ser professora.
Geleia Total: Já relacionando com o seu relato, ao longo da tua carreira enquanto bailarina, você também, desde cedo, esteve na condição de professora de ballet. Como você percebe, então, esses dois movimentos, o de querer ser bailarina e o de ser a professora de ballet?
Jihnny Azevedo: Eu tive que abrir mão de ser bailarina, até porque lá na Escola (Helly Batista) sempre teve bailarinas muito talentosas mesmo, e, claro, a participação nas aulas, a disponibilidade para os ensaios, tudo isso é necessário e importante pra seguir a carreira, mas, no momento em que comecei a dar aula, eu fui percebendo que não iria ter tanto esse espaço central de bailarina e, aos poucos, eu já estava me encontrando no ser professora.
Quando surgiu a oportunidade do estágio eu resolvi aceitar, mas eu tinha muito certo na cabeça de que eu não ia ser professora por muito tempo não, eu ia era ser bailarina mesmo. Com o tempo, eu fui vendo que era nesse lugar, o de ser professora, que eu tinha que ficar. E eu comecei a gostar disso, a pesquisar mais, a estudar mais, vi que as meninas gostavam de mim, mas, claro que no começo era difícil… e mais por não querer aceitar deixar de me dedicar pra ser uma bailarina profissional pra ser professora, até porque, às vezes, eu tinha que sair no meio da minha aula, enquanto ainda era aluna no caso, pra ir dar aula.
Então, foi um ciclo que se encerrou como tinha que ser, aconteceu naturalmente, não foi algo que chegaram pra mim e disseram que eu não seria bailarina, que eu seria professora, mas acabou sendo algo muito natural. Eu tinha o pensamento de “Não vou conseguir me dedicar pra ser uma bailarina, eu preciso trabalhar”. Tinha isso de PRECISAR trabalhar. E a professora, na verdade, não deixa de ser uma bailarina.
Depois que eu comecei a dar aula, não lembro nem com que idade eu comecei, mas era nova… Em 2008 eu já acompanhava algumas professoras, em 2009 eu comecei a dar aula, montar algumas coreografias e de lá pra cá eu fui dando aula atrás de aula, comecei no infantil, depois fui indo pras turmas maiores. E depois teve a hora de me dedicar mais aos estudos e eu comecei a deixar de fazer as aulas e pra continuar dançando eu precisava participar também, mas… não tava dando, e acabei ficando nessa parte mais do dar a aula mesmo.
Geleia Total: Quais foram as tuas principais referências nesse percurso?
Jihnny Azevedo: A minha primeira referência foi a professora Kalinka, que foi minha primeira professora. Eu não tinha redes sociais, celular, internet… eu nem sabia o que era internet, então das grandes bailarinas, históricas, eu não tinha tanta referência, mas a gente sempre escutava da Poderosa Svetlana (Zakharova).
Mas de referência de professores que eu tive, além da Kalinka, de muita coisa que eu aprendi, foi o Helly Jr. sem dúvidas e o Helly Batista, claro, aprendi muita coisa com ele também. E outros profissionais, como o professor Douglas Mota, de Fortaleza, tenho um carinho muito grande por ele e gosto muito da didática dele.
Eu também sempre gostei muito de estudar, principalmente aquilo que eu me proponho a ensinar, eu estudo muito a metodologia que eu dou aula, novidades e tudo. O Helly Jr. apresentava várias referências de bailarinas também pra gente, então realmente ele foi uma das principais referências pra mim, por tudo que aprendi com ele.

Geleia Total: O ballet, nos palcos, para quem assiste é um momento genuíno de encantamento, mas para quem dança, tanto dentro, como fora dos palcos, há uma série de desafios e questões que atravessam o bailarino. Quais foram teus principais desafios nesses anos de carreira?
Jihnny Azevedo: Eu já passei por várias situações no ballet, algumas até difíceis mesmo de falar, porque não foi fácil, tiveram momentos em que eu sei que permaneci no ballet, porque eu amava o ballet. Apesar de toda beleza que existe, eu tive sim muitos transtornos psicológicos, porque a dança, e digo, o ballet, principalmente, é muito puxado, a exigência pela perfeição em tudo… os movimentos perfeitos, o corpo perfeito…
Eu sempre tive muita coxa, bunda… e essa questão do físico, às vezes eu ia pra casa chorando, por conta da pressão que eu sentia, sabe? Pra me enquadrar. Eu, inclusive, demorei muito pra conseguir falar mais abertamente sobre essas questões até pra minha mãe, porque infelizmente essas coisas todas mexem muito com a nossa cabeça. E eu permanecia, porque dançar era algo que eu gostava muito, muito mesmo, mas… era muito difícil.
Teve um tempo em que emagreci muito, tudo por conta da pressão que eu sentia na época, uma pressão até minha comigo mesma. E foi horrível na época, acho que a questão com o corpo foi a pior pra mim, até hoje. A gente vê um padrão de bailarinas super magras, isso adoece qualquer um, e me adoeceu também. E o pior, é que a gente achava que isso era normal, e não é.
Depois, com o amadurecimento, hoje, eu consigo ter outra visão, chegam alunas aqui na escola que ainda vêm com essa pressão e eu tento apresentar o ballet de outra maneira. No fim, apesar do que eu já passei, por conta disso, eu consigo pregar outra ideia, hoje eu consigo proporcionar uma relação com o ballet que respeite o corpo da bailarina.
Quando eu resolvi abrir o Studio, quem me incentivou muito foi meu marido, e foi um sonho que ainda adiei durante um tempo… Assim que conseguimos inaugurar, uns quatro meses depois veio o LockDown, então foi muito desafiador pra manter, meu marido, minha mãe, me ajudaram com as despesas, agora a gente já tá se desenvolvendo bem, com muitos planos, estamos aumentando o espaço e buscando o melhor que podemos para proporcionar esse espaço de amor pela dança, os benefícios do pilates… não é fácil, claro, mas é só mais um dos muitos desafios que já passei.

Geleia Total: Hoje você tem o seu estúdio de ballet e pilates, como é pra você essa nova experiência de estar a frente desse sonho, coordenar e exercer ainda mais um lado criativo de construção de novos repertórios, coreografias, porque a dança envolve também a percepção sobre a música, leituras, teatro?
Jihnny Azevedo: Quando a gente tá a frente do nosso empreendimento, tudo muda. Aqui tudo sou eu, figurino, ingresso, coreografia… hoje eu tenho minhas auxiliares, mas tudo sou eu, o que torna tudo mais cansativo, mas também é bom ter essa autonomia de você poder pensar exatamente da forma que quer fazer. Ter essa autonomia pra usar a criatividade é muito bom, cansativo, mas muito bom.
E tem todo um trabalho com outras linguagens artísticas, como o teatro mesmo. Mas, tem que ter uma certa paciência… porque aqui em Teresina a questão da cultura ainda não é valorizada como tem que ser e acaba que a gente não tem todo o suporte necessário, às vezes se torna muito difícil fazer um evento, montar um espetáculo. Talvez as grandes escolas, por terem mais tempo e nome consigam fazer isso melhor, mas pra quem tá começando, e eu comecei do zero, é complicado até começarem a reconhecer seu trabalho.
E começar do zero… olha, te faz dar valor a muitas coisas que você nem imagina, a cada coisinha que entra no Studio, a cada conquista que realizamos.
Geleia Total: Além de bailarina e professora, você também é formada em fisioterapia, de alguma maneira essa também foi uma necessidade percebida pelo impacto físico do ballet?
Jihnny Azevedo: Quando eu trabalhava de babá, a minha patroa na época levou o filho dela pra fazer uma fisioterapia respiratória e eu fui com ela, e eu achei incrível como aqueles fisioterapeutas tratavam as crianças, na hora eu pensei: Acho que é isso que eu quero!
O sonho da minha mãe era que eu trabalhasse em banco, não sei porquê (risos), mas ela queria que eu trabalhasse toda vestida formal, e eu dizia que não queria, que eu queria fazer algo que eu gostasse (risos). No tempo em que fiz o ENEM, eu até passei em Administração na UFPI, mas eu nem disse pra ela, só quando eu passei em Fisioterapia é que eu falei (risos). E olha, eu sempre gostei, eu comecei a me apaixonar pela fisioterapia e vi que um completava o outro (fisioterapia e ballet).
Então só foi agregando, o Studio mesmo tem a parte da fisioterapia e tem a parte do ballet, juntando o útil ao agradável. A gente tem um olhar clínico diferenciado, observando as alunas na aula, a gente consegue identificar porque uma coisa não tá certa, se tem um desvio, e direcionar melhor.
Geleia Total: Você já participou e continua participando de vários festivais, já conquistou premiações, então, como você se sente em relação as suas conquistas enquanto bailarina e agora, não apenas como professora, mas como a responsável pelo estúdio? E nisso, pra ti, qual ou quais são os marcos nessa jornada, aquilo que é inesquecível pra ti?
Jihnny Azevedo: Muito bom! Eu adorava competir! Ficava muito nervosa quando ia competir, mas adorava. Uma das competições que mais me marcou foi a minha primeira que o tio Helly ainda era vivo e ele levou a gente pra Fortaleza… eu nunca tinha visto o mar, foi a primeira vez que eu vi, eu chorei bastante. Como foi a primeira, eu tava nervosa mesmo, muito, não ganhei premiação, mas valeu muito a experiência e depois de lá, eu não participei em tantas assim, mas me lembro de um festival de dança aqui em Teresina, não lembro com qual idade, que eu fiquei em terceiro lugar. Em conjuntos eu participava mais, já ganhamos premiações…

Mas, do Studio, a gente começou a participar de competições a um tempo atrás, já vamos fazer 6 anos, mas não começamos a competir assim que ele inaugurou. Mas, já conseguimos premiações em festivais de dança de Teresina, e a gente conseguiu uma aprovação pra palco aberto em Joinville. Em Joinville tem três tipos de apresentação: a competitiva, a feira da sapatilha e os palcos abertos. E é muito difícil de passar pros três, pra competitiva mais ainda.
No ano retrasado a gente enviou um vídeo e ninguém passou daqui, mas nós fomos mesmo assim, eu fui pra fazer cursos, eu faço uma especialização com o Bolshoi que dura 8 anos, e as meninas foram pra poder conhecer. Ano passado a gente enviou quatro trabalhos pra serem avaliados, e fomos aprovados pra palco aberto. E olha que foram mais de 15 mil inscrições e só 6 mil bailarinos passaram para palco aberto e para competitiva, então eu fiquei muito orgulhosa de termos conseguido.
Tem gente que olha e fica “Ah, mas palco aberto…?”, só que é tão difícil quanto. A gente ficou muito feliz, ano passado dos quatro, três trabalhos foram aprovados, e, pra mim, poder proporcionar isso aos meus alunos não tem preço, eu queria no meu tempo ter tido esse tipo de oportunidade. É o que eu falo: Eu não quero bailarinas perfeitas, afinal, até porque a maioria aqui não quer ser bailarina profissional, mas eu quero que algo de bom marque.
O conjunto que vamos tentar enviar esse ano tem menina com encurtamento de membro, menina autista, menina mais baixa, menina gorda, meninas de todos os jeitos, sem distinção de biotipo nem nada, eu gosto de pessoas comprometidas. Eu trabalho com o corpo e cada corpo é diferente, mas é um corpo, e um corpo dança, então, por quê não? O meu conjunto, visualmente, é uma galera totalmente diferente, mas eu quero dar oportunidade pra todo mundo, eu não quero dizer que por conta que é de um jeito ou de outro que não pode, claro que podem! Todo mundo pode!
Eu não quero trabalhar só com magra que é considerada bonita com hiper flexibilidade, já passou o tempo, a gente tem que começar a desconstruir isso, e eu não quero isso no meu Studio, por isso que eu trabalho dessa forma, com pessoas que querem. Eu quero que seja comprometido com as aulas e com os ensaios, de resto, não me interessa, pode ser a reencarnação da melhor das bailarinas, o que me importa é o comprometimento.
Geleia Total: Acompanhando seus espetáculos, há algo que me chama atenção, que é a acessibilidade em LIBRAS, em algumas coreografias você tem incluído sinais, poderia comentar como você percebeu que essa era uma necessidade e como você tem trazido isso para a dança?
Jihnny Azevedo: Eu tenho uma aluna que é surda, a Yasmim, eu já consigo me comunicar com ela, já entendo o que ela sinaliza e eu comecei a aprender algumas coisas por causa dela, inclusive. Eu sei também que é um público que não é assistido e que se precisa dar uma visibilidade. Nenhuma escola de Teresina, que eu saiba, nunca deu essa visibilidade e nunca teve intérprete de Libras no espetáculo em si. Depois que ela entrou, ela dançou no nosso espetáculo do final do ano passado, e eu comecei a abrir minha mente ainda mais pra essa questão da inclusão.
Eu conversei com ela, pedi indicação de intérprete, ela ficou super feliz, os pais ficaram muito emocionados mesmo, foi muito gratificante poder proporcionar esse momento tão significativo e bonito pra eles, a alegria de se sentirem contemplados. Foram umas seis pessoas da família dela que também eram surdos e assistiram e se sentiram incluídos. Eu conversei com a Soraya, que é a intérprete de Libras, e ela adorou a iniciativa.
Eu gosto de fazer um espetáculo muito mais diverso, não gosto daquilo muito quadrado, eu incluo uma parte teatral que é legal pra entender o que tá acontecendo, e aí eu contratei a Soraya e dei a minha palavra a Yasmim que todo espetáculo a Soraya ia tá lá, pra que sempre possam se sentir importantes e incluídos.

Geleia Total: Os espetáculos de danças aqui em Teresina, em geral, tendem a atrair o público e sabemos que, sobretudo, está atrelado ao prestígio de amigos e familiares das bailarinas, mas isso também é importante na nossa aproximação cultural. Então, como você percebe a relação real entre a dança e a população aqui?
Jihnny Azevedo: Eu não acho que a cultura aqui em Teresina é tão valorizada como em outros estados, eu observo isso quando a gente fala o valor de um ingresso, quando a gente diz que é 25, 30 reais, já vem “Não tem desconto? É muito caro”. E aí eu vou e explico que não tem desconto, porque quando a pessoa vem e me faz uma pergunta é como se meu trabalho não tivesse valor nenhum. Existem gastos… e financeiramente, pra quem tem escola, montar um espetáculo não compensa, é mais gasto do que lucro.
Mas acho que as pessoas olham pra beleza e grandiosidade e acham que a gente ganha muito dinheiro com isso, na verdade, muitas vezes a gente tira da nossa reserva pra poder custear as coisas do espetáculo. E aí quando a pessoa chega perguntando se tem desconto, se não poderia dar um ingresso de graça ela não tá valorizando aquele trabalho e nem o que envolve realizá-lo, nem mesmo a cultura.
Eu vou dar um exemplo, nos shoppings tem aqueles brinquedos que são 15 minutos que você paga de uns 40 a 50 reais, e às vezes as pessoas pagam e não questionam nada, então porquê que uma coisa que a gente passa anos, semestre ensaiando, que são seus filhos, que são pessoas que você tem afeto, daí você questiona, sempre vem com essa desculpa… E eu até entendo, eu nem culpo, é porque não temos muitos incentivos de verdade a cultura, os projetos de leis não abrangem sempre quem precisa e merece.
Seria ótimo se tivessem projetos que levassem as crianças nas escolas pra assistirem aos espetáculos de danças, porque seria uma forma de incentivar e espalhar a cultura, mas é complicado… Eu tô achando até que, ultimamente, com mais escolas de ballet abrindo que tem se visto um pouco mais, tem se falado mais, tem projetos que eu nunca tinha visto e que comecei a ver, e nós professores podemos fazer essa mudança sabe, em relação a divulgação, a internet tem servido muito pra isso, pra divulgar o trabalho, a cultura, mas viver da cultura, viver da dança, não é fácil.
Geleia Total: Nas suas redes sociais você também costuma fazer um trabalho de conscientização em relação a dança, sobretudo sobre o ballet infantil, poderia comentar um pouco sobre isso?
Jihnny Azevedo: Eu não sei se sou eu que são muito chata na questão do ballet infantil, né, chata no sentido de que a gente tem que ser muito fiel ao que a gente estuda e ao que a gente vende. No instagram eu coloquei que dou aula de ballet, então se eu dou aula de ballet, eu preciso ser fiel àquilo que estou passando.
Primeiro, que eu percebo que ainda tem muita gente que não tá qualificada pra dar aula, eu já ouvi de gente que ia se formar em Educação Física e fazer um cursinho pra dar aula de ballet, como se pra ser professor de ballet fosse simples, fosse só assistir a umas aulas no Youtube ou fazer um curso rápido, e não é, é algo muito além.
A gente precisa conhecer as fases, eu estou a mais de dez anos dando aula de ballet infantil e cada criança é única, mas eu não posso mudar uma nomenclatura que já existe, sabe? Eu fico indignada quando vejo professores ensinando pra crianças de até 5 anos de idade nomenclaturas lúdicas, e veja, não estou falando de acessórios lúdicos, isso eu uso bastante pra ser mais atrativo pra criança.
É o que eu falo pros pais, se vocês assistirem a uma aula do Avançado, talvez achem muito chato, porque é repetir todo dia um plié, um tendu, mas é assim. Só que, se eu for passar pra criança assim ela não vai querer fazer, ela vai ter uma resistência maior, então a gente usa acessórios, perceba, acessórios, eu não mudo a nomenclatura, eu não falo que a primeira posição de pés é um pé feliz… pra quê? Pra ter dois trabalhos?
Uma pessoa, em uma das minhas postagens sobre isso, comentou que uma criança até seis anos de idade não entende e que tem que seguir o desenvolvimento mental da criança… Falando grosseiramente, pra mim, é chamar a criança de burra, é subestimar a criança. As minhas alunas não brincam em sala de aula com cartinha, joguinhos… são 50 minutos de aula que você pode incentivar a criança a gostar da arte, do ballet. Eu tento deixar minhas aulas o mais atrativas possível e elas gostam, não reclamam, nunca teve reclamação nem das alunas, nem dos pais.
Mas às vezes me dá a impressão de que está se perdendo a essência do ballet e isso tem me preocupado bastante, muito por isso que tenho falado nas redes sociais sobre essas questões, porque as pessoas têm criado métodos mirabolantes pra vender e são coisas que não realmente agregam. Pra mim parece um lugar muito cômodo, porque é mais “fácil”, ganha dinheiro né… Eu estudo pra caramba pra dar uma aula de qualidade, busco cada nível técnico, aí eu vejo gente que só faz brincadeira….
Os professores têm que tomar cuidado com o que é dar aula e sobre o que você vai passar pro seu aluno, eu acho que os pais precisam saber também, acompanhar, porque são muitos absurdos. Mas eu fico muito feliz de ver que aqui ainda tem muita gente que, assim como eu, não gosta dessa enrolação.
O quanto eu puder, eu vou bater na tecla pra realmente chegar nas pessoas, porque é algo tão bonito e sério que tá sendo banalizado. Mas, quanto a outras pautas que eu também sempre gosto de levantar, atualmente quero falar justamente sobre os transtornos psicológicos no ballet, pra poder conscientizar sobre a pressão psicológica, a questão corporal né, todas essas questões… porque a gente não tá mais no tempo das cavernas pra aceitar determinados comportamentos. Vez por outra senhoras entram em contato comigo perguntando se podem fazer ballet, porque sempre dizem pra elas que estão velhas demais e não tem jeito. Sabe, que sociedade é essa?
Em competição, a gente vê crianças virando a cara umas pras outras… o que é isso? O que estão ensinando pra elas? Eu falo pros meus alunos que não vamos a competições pra ganhar, primeiro de tudo: nós vamos pela experiência, ganhar é uma consequência. Então, eu sempre digo que o importante é curtir o processo e pra falarem com todo mundo, gostando ou não de um fulaninho, de algum professor, mas eu ensino a desejarem boa sorte, a acalentar quem está nervoso, eu quero que eles sejam diferentes de como a minha geração foi ensinada.
E digo mais, sempre aviso que se eu ver alguém se engrandecendo pra cima de outro não compete mais. Aqui no Studio todos os desafios e problemas que eu passei na minha época eu não reproduzo com meus alunos, eu quero que sejam uma família, não precisam desejar o mal pro outro e, graças, tem funcionado bastante, respeitam muito. E eu trabalho isso em sala, o respeito a todos, a socialização, é até legal, por exemplo, em relação as minhas alunas autistas, de poder incluir respeitosamente, explicando sobre as diferenças de cada pessoa ali.
Ser professor vai muito além de dar aula, a gente faz o nosso trabalho, mas é um trabalho contínuo. E felizmente aqui no Studio tem dado certo, tenho feito meu trabalho sem passar por cima de ninguém e sem pressa também, indo degrau por degrau. E eu tenho muito orgulho de onde a gente já chegou.
Geleia Total: Por fim, quando você pensa em dança, em que você pensa, o que significa pra ti?
Jihnny Azevedo: Tudo. É o meu trabalho, é o que eu amo fazer, é uma semente que eu quero plantar no coração de cada aluna que passa por mim. É o que me transformou, por mais que eu tenha passado por várias coisas, mas é o que me mantém viva por dentro, além da minha família, claro.
Quem dança, assim como qualquer outra pessoa que gosta de um esporte, é inexplicável o que a gente sente. Quando eu dançava eu me sentia poderosa, me sentia única, e acho que é isso que as alunas que dançam aqui sentem, e espero que possam continuar se sentido assim, poderosas e únicas e que entendam que elas podem, que nunca deixem ninguém dizer o contrário pra elas.
Eu falo pra elas todas as aulas que curtam e não se cobrem tanto, às vezes elas se frustram porque eu ensino uma coisa nova e elas não conseguem fazer, eu digo “Vocês tão ficando doida? É a primeira vez de vocês, a vida já tem tanta cobrança, e vocês querem entrar aqui na sala e cobrar também? Sorriam, vocês estão aprendendo.”
Tem quem entrou aqui sem saber absolutamente nada e já tá na ponta, é o que eu falo, é o processo. Se divertir, viver o processo e ser feliz.

E que assim dançar sempre siga pelos olhos de Jihnny: Sorriam, estamos aprendendo.
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Descrição: bailarina
Escrito por: Elara Moretz-Sohn
Revisado por: Paulo Narley
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Instagram: @studio.jihnny_azevedo
Fotos
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Amei!!!
Ahhhh maravilhoso!!! Amei