BÊNÇÃO, de Paulo Narley

Foto: José Ailson (@um_ze)
Foto: José Ailson (@um_ze)

 

     – Qualquer hora dessas teu corpo é encontrado no meio dessas valas imundas dos esgotos dessa cidade fria. É lá o teu lugar. Não o de nascença, mas o que tu escolheste por si só. É lá onde teu corpo pertence e pode existir, e é para lá que ele vai e vai levar toda a família, toda a casa, todos os nossos… Tu saiu de mim, eu te coloquei no mundo para ser um homem, e não esse pedaço de carne podre que tu imagina ser. Esse ser que só existe na tua cabeça. Imagina a alegria minha e do teu pai com a notícia de que tu vinhas, que tu eras gerado aqui dentro dessa barriga que agora tu amaldiçoa com essas ideias infundadas. Imagina a alegria nossa, de toda a casa a te esperar! E agora tu me vens com essa história de que é Luzia o nome que eu devo te chamar. Não! Tu não és Luzia! Nunca vais ser. O nome que eu te dei foi Luiz e é ele que te pertence até o teu morrer. Estes braços finos não são teus. Essa boca vermelha não é tua. Estes cabelos compridos não te pertencem. Estes peitos que tu comprastes e colocastes ai não são teu corpo. Olha para o que tu tens no meio das pernas! Olha! É isso que tu és. É isso que te constrói e te dá um lugar. Tu és isto ai.

     – Bença, mãe! – ela disse e rumou para a rua. Abandonou todas aquelas paredes vazias que insistiam em preencher seus dias de solidão. Saiu, e a casa, que deveria proteger e guardar todos os seus devaneios de menina, ficou para trás junto com o olhar perdido da mãe que insistia em querer menino-homem…

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